O Honrado

Antônio Carlos era um camarada preocupado com a honra. Desde sua adolescência se preocupou com isso. Honra era tudo. A palavra tinha que ser de honrada mediante a atitude. Talvez não notasse muito essa sua obstinação. Não aceitava erros da parte de ninguém. Ainda no período de colégio seu melhor amigo olhou para sua namorada. Ele não achou normal aquele tipo de olhar e rompeu a amizade, mantendo-se firme no propósito.

- Não perdôo traição de jeito nenhum!

Aos 15 anos de idade conhecera Glaucia. Glaucia era uma moça bonita, distinta, de família. Eles começaram a namorar. Depois de três meses de namoro a pergunta fora feita:

- Você é virgem?

E Gláucia regalando os olhos com ênfase total disse:

- Claro que sim.

- E você vai guardá-la para o dia de nós nos casarmos?

Era uma pergunta um tanto quimérica para Glaucia já que eram novos e nem sabiam o que poderia ocorrer futuramente. Ela respondeu sem pensar:

- Sim, ora essa. Eu te amo.

Palavra esta que saiu espontânea e enfática. Quando se ama as promessas mais tolas e impensadas saem da boca, mas, para Antônio aquele episódio foi inesquecível.

Depois de uns três anos de namoro, Gláucia se mudou com a família para o interior de São Paulo. O namoro com Antônio ficou conturbado. A distância atrapalhava muito. Ele morria de saudade, enquanto Gláucia conhecia pessoas novas na nova cidade. Era divertido ir para a praça aos fins de semana, beber e paquerar. Moça de cidade grande sempre tem certo ibope. Os rapazes fazem perguntas, querem saber como é a grande metrópole. A pessoa de Gláucia ficava sempre em segundo plano, mas para quem poderia estar solitária em casa, no pé do fogão, pia ou tanque era muito mais interessante conhecer esses rapazes leigos e curiosos. Era bom causar ciúme naquelas caipiras. Enquanto Antônio se encarcerava dentro de casa ou saía com os próprios familiares para lugares conheci do por Glaucia, justamente para honrar o compromisso e o amor que sentia pela namorada.

Em certa noite, ela conheceu Romeu. Romeu era um rapaz bonito. Vermelho do sol, com os olhos verdes. Logo se sentiu atraída já que ele era do tipo espontâneo, comunicativo e carismático. Logo ficou encantada com o sorriso de dentes perfeitos. Rapaz meigo e caipira. “Quem diria eu tê-lo em minha cama”, pensava.

Romeu era respeitador, gostava das coisas certas. De alguma forma fez com que Gláucia se lembrasse de Antônio, mas a lembrança já não era tão vivaz como fora quando ela morava em São Paulo. Isso a inquietou muito.

-Vai ter uma festa na casa do meu cumpadi. Vamos?

Gláucia aceitou, porque queria fazer ciúme para Jucilene, uma moça que gostava de Romeu. Discolada, logo deu um jeito de pôr o vestido mais bonito, a melhor maquiagem, o melhor salto. Ao chegar à casa do compadre todos a olharam de cima a baixo. Enquanto, os amigos de Romeu cochichavam uns com os outros.

- É uma potranca.

Tudo parecia estar certo até que:

- Vamos embora? Romeu pediu.

- Mas, já?

- Sim. Tenho um lugar bom para irmos. Diz que sim, vai, por favor!

Gláucia aceitou. Fazia tempo que se sentia carente e ter uma boa companhia parecia ser muito bom. A festa estava bem agitada, mas no dia ela queria um pouco de sossego. Era um dia como aqueles que a gente só quer um cantinho. Talvez fosse nostalgia. Romeu fazia com que ela se sentisse bem de alguma forma. Parecia fazê-la espairecer daquela obstinação de compromisso. Porem, mesmo andando um do lado do outro, ela se lembrou vagamente de Antônio e de quando namoravam. “Agora não é traição porque estamos separados”, pensou escrupulosamente quando Romeu segurou sua mão e a conduziu para uma casa afastada. Ela entrou... E, ali ela perdeu sua virgindade sem amar Romeu, por mera carência, curiosidade ou pura excitação. Nem foi tudo aquilo que pensara um dia. Depois lhe bateu o arrependimento, porque sua virgindade estava prometida para Antônio, homem que, agora, sabia que, amava após ter convicção do próprio ato.

Passaram-se anos e o pai de Gláucia resolve voltar para São Paulo. Novamente a bagunça da mudança; novamente deixar amigos e amantes; novamente aquela dorzinha de saudade sufocando o peito, pois já havia se acostumado com a vida pacata da cidade pequena. Mas, quando chegou a São Paulo tudo foi se passando rapidamente, pois seus amigos de infância a receberam com muito afeto e satisfação, queriam saber das novidades, matar a saudade a qualquer custo e nisso passaram meses. Ela se sentia uma princesa:

- Sabe o Antônio? Marisa, sua amiga de infância perguntou certa tarde.

- Não.

- Não namorou mais ninguém depois que você se mudou. E teve muita garota bonita querendo namorá-lo, sabia? Ele gosta de você ainda. De vez em quando eu o vejo com o semblante triste, mas não digo nada.

- Não acredito!

- É verdade!

O coração de Gláucia começou a bater mais forte mesmo depois de tantos anos.

E foi na feira de sábado que ela se encontrou com Antônio, que fazia feira para sua mãe.

- Antônio? Disse atônita. O coração descompassado.

Quando Antônio a viu ficou sem palavras. As pernas bambearam. Gláucia havia se transformado numa mulher muito bonita. Os longos cabelos lisos que escorriam pelas costas e chegavam à cintura, os olhos vivos e o sorriso ledo o deixaram pusilânime.

- Gláucia!

Parecia ser amor a primeira vista. A partir daquele dia começaram a namorar. Era um namoro sério e diferente de muitos daquelas décadas de 1975.

Diziam:

- Isso vai acabar em casório.

Mas, certo dia Gláucia teve que revelar sua queda.

- Antônio eu não sou mais virgem.

Antônio quis saber os detalhes, manteve-se firme na frente de Glaucia, mas depois chorou escondido como todo machista não revelando sua dor, mágoa e frustração. Era muito ruim sentir aquilo. Certamente que Gláucia o via daquela maneira e sabia bem o porquê do desgosto. Por isso tentava de todas as maneiras acalmá-lo, consolá-lo, tirá-lo daquele pesar infinito que a fazia refém juntamente com ele por causa do abismo escuro que não era visto por ninguém, somente por ela.

- Não fica assim. Eu não te traí. Eu estava em outra cidade. Nós não estávamos mais juntos. Pensei que nunca mais te veria novamente.

E, ele encostava a cabeça no ombro dela, mas não soltava uma só lágrima.

- Você sabe que eu te amo. Que quero me casar contigo. Insistia.

Tempos e tempos se passaram e Antônio parecia ter se acostumado com a idéia de se casar com uma mulher que não fosse mais virgem.

- Não vou me casar na igreja.

Glaucia sabia bem por que e não discutia.

- Tudo bem. A gente morando junto é o que importa para mim, porque eu te amo e te quero só para mim.

“Mas você não é só minha.”

Quando Antônio ia trabalhar, ele ficava pensando em outro homem tocando sua esposa. Aquilo era revoltante, humilhante, inaceitável. O dia corria lentamente. À tarde entrava no bar do João, pedia uma caninha com limão, outra, outra, uma pura... voltava bêbado.

Glaucia reclamava:

- Você bebeu novamente?

Antônio cheio de mágoa retrucava:

- Cala a boca sua vagabunda! Você não tem direito de me falar nada.

Essa vida durou quinze anos. Glaucia não agüentou e voltou para a casa dos pais. Nunca mais Antônio confiou seu tudo em outra mulher.

- Sou alcoólatra, mas não volto com minha palavra.

Cairo Pereira
Enviado por Cairo Pereira em 09/12/2010
Código do texto: T2662904
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2010. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.