Viagem Estressante

Viagem estressante

- Não viajo mais com você dirigindo o carro! Ora, que perturbação! Mal consigo pegar no sono e você já me vem com suas manias descabidas.

- Deixa de lenga-lenga mulher e joga logo essa água em minha cabeça. Você não quer que eu adormeça ao volante, quer?

A contragosto a mulher atendia ao inusitado pedido do marido. Até o dia em que, chateada daquela situação, tomou uma atitude.

- Pode escrever aí meu nego: a continuar assim, esta é a última viagem que faço com você dirigindo. Prefiro viajar de ônibus. Pelo menos não sou acordada a toda hora para satisfazer as suas manias. No ônibus – continuou -, posso dormir tranquilamente. Não terei ninguém a me importunar com esses pedidos esdrúxulos: jogar água na cabeça, misturar café com coca cola e coisa que o valha... Viajar com você dirigindo, é um atraso de vida! É isso mesmo seu Teobaldo, um atraso de vida! Contando, ninguém acredita!

- Essa é boa! - Tornou o marido. - Quer dizer que você pode dormir. Já o pobre de mim tem que ficar apreciando você aí, no maior sossego, tirar a sua madorna! Sabe de uma coisa, Inês? Vou lhe botar numa autoescola para você aprender a dirigir. Doravante, quando viajarmos juntos, você vai dividir a tarefa de dirigir comigo.

- Eu já lhe disse que não viajo mais com você como o motorista do carro. E não volto atrás no que disse. Também não vou me matricular em autoescola nenhuma. Nem morta!

- Quem sai perdendo é você. – Rebateu o marido.

Teobaldo era um sujeito cheio de manias. Quando o percurso a percorrer era superior a duzentos quilômetros, batia nele uma ansiedade incontrolável. Se a partida para a viagem fosse ao amanhecer, desde as 22h00min ele já entrava no quarto para dormir. Fechava hermeticamente portas, janelas e cortinas; não deixava que qualquer fresta permitisse entrar o mínimo de claridade ou ruído para não incomodá-lo. Os familiares eram avisados para não fazer barulho porque ele queria ter uma noite de sono sem qualquer percalço. Mas, nem mesmo cercado de todos esses cuidados conseguia ter um sono reparador. Passava a noite contando carneirinhos e uma infinidade de outros seres do reino animal. Chegava a ser patético. Quando o dia amanhecia, a exemplo das viagens anteriores, ele repetia a mesma ladainha: - esta noite não preguei os olhos um momento sequer.

Já era uma frase manjada. Todos da casa já sabiam de cor e salteado o que ele ia dizer quando acordava.

E a logística da viagem?

Ah! Era um caso à parte. Os apetrechos ele providenciava de véspera. Na farmácia, comprava arrebites de guaraná. No mercadinho, latas de coca-cola. Como complemento às suas exigências logísticas, Inês acordava com o primeiro cantar do galo, coava o café e enchia uma garrafa térmica. Enchia, também, duas garrafas pet com água para ele, durante o trajeto, lavar o rosto e derramar na cabeça. Ia guiando tranquilamente, quando pressentia que o sono estava chegando acordava a mulher para lhe jogar a bendita água.

- Joga água em minha cabeça, Inês.

A água que era jogada na cabeça, escorria rosto abaixo e ia se alojar no banco do carro, encharcando-o. Inês virava uma fera. O tempo fechava dentro do carro. Só mesmo estando ali para testemunhar a enxurrada de impropérios que a mulher lançava sobre o pobre homem.

O tempo passou... Outras viagens se sucederam. Os entreveros também. Inês não cumprira o que havia prometido. Para evitar os rotineiros arranca-rabos que tornavam a viagem mais perigosa, Teobaldo resolveu inovar: em vez de levar garrafas pet com água para banhar o rosto e derramar diretamente na cabeça, ele passou a levar um pequeno borrifador de plantas cheio d’água. Quando o sono lhe batia à porta, não precisava acordar a mulher e aturar as suas rabugices. Ele mesmo se encarregava da tarefa. Enquanto ela dormia tranquilamente, ele aspergia em si mesmo as borrifadas no rosto, expediente este que lhe revigorava o ânimo para rodar mais uma centena de quilômetros. Esse ritual ele repetia tantas vezes quantas fossem necessárias até o término da viagem. Sem falar no cafezinho com coca cola e os arrebites de guaraná que, também, faziam parte do cardápio.

Como podem perceber, era uma viagem estressante.

Valmari Nogueira
Enviado por Valmari Nogueira em 16/12/2010
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