Relatório de Um Dissimulado

Lá estava eu na praia, vendo os fogos de artifícios. Quem diria que um jorro de champanha de alguém que estava pra lá de feliz me faria ser o cara mais mal humorado de Bertioga? Um monte de pum-pum-plá pra tudo quanto é lado, pessoas dando as mãos, abraçando-se como se fossem verdadeiras naqueles gestos combinados e hipócritas de todos os fins de anos; como se aquilo fosse mudar alguma coisa no futuro de cada um... Mas, como um poeta educado e sensível, fiz o clichê de todos: sorri, apertei a mão de muitos, abracei todo mundo...

De repente eu não estava mais ali com aquele mundaréu de gente, os fogos não estavam mais ali bombardeando meus tímpanos: era eu e o meu celular (o mais barato e simples de todos) da LG, porque sou pobre e o pobre sempre está fingindo ser feliz, enquanto as pessoas de poder aquisitivo elevado desfilam com carros 0k e roupas caras. Eu via as palavras surgindo em minha mente e era muita gente que me vinha ao pensamento. Diria até que era uma inspiração. Esperava uma mensagem de uma das pessoas mais importantes da minha vida, mas ela não me enviou, então, guardei o celular no bolso. Minha mão coçou para pegá-lo novamente, porque eu brigava comigo mesmo numa naquelas lutas tolas e sem sucesso de pessoas insanas que brigam com todos ao mesmo tempo, dentro do próprio mundo. Foi quando o senti vibrando. Tirei-o do bolso imediatamente. Era uma mensagem. Meu coração disparava e meu eu indagava “é ela?”.

“Feliz 2011!”

Quando olhei o remetente... não era “ela”. Que merda!

Então, respondi com pesar, para minha amiga, a saudade comendo cada pedaço de meu coração: “procê tbm mana. Tô cm saudad dos meus amores, pq tô n praia e ñ sei onde eles tão. Tô com meu coração apertado. Mas vc pod curti". Desejei. “Meus amores”, ela sabia de que eu falava. Esperei um retorno dela, mas ela não me retornou mais. Talvez fossem as linhas cruzadas. Desanimei de vez como quem solta os ombros e entrega o jogo ao adversário. Para mim o dia e o ano não tinham começado bem mesmo que milhões de pessoas dissessem que “há pessoas bem piores que você”. O que isso iria melhorar em minha situação? Para mim o que importava é que eu não estava “no clima” do Silvio Santos.

Fazia tempo que não tinha um fim de ano solitário entre gente, sorrindo abertamente como se nada estivesse acontecendo. Como sempre eu fui perfeito.

Cairo Pereira
Enviado por Cairo Pereira em 03/01/2011
Reeditado em 06/01/2011
Código do texto: T2707316
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