AS BATATAS DE CHILOÉ

AS BATATAS DE CHILOÉ

Faz alguns anos, um casal estava realizando turismo no Chile e aproveitaram para conhecer a Ilha de Chiloé. A Ilha grande de Chiloé é um arquipélago que se localiza ao sul desse país, cujo clima é frio e o período de chuvas pode durar muitos meses.

O comportamento social do “chilote” (pessoas que residem em Chiloé) representa uma cultura sui generis. Por um lado é este povo campesino, que cuida e protege a terra, ao mesmo tempo que reverencia o mar porque dele recebe a bendição dos melhores mariscos e salmões.

Essa filosofia “chilote” de viver é representada pelo gado, pela pesca, pelas palafitas e pela forte tradição religiosa católica. As igrejas de Chiloé conservam uma arquitetura original em madeira e muitas delas já foram declaradas patrimônios históricos. As casas “chilotas” se caracterizam pelas grandes cozinhas, porque esse é o espaço familiar para os longos almoços, boa prosa e para esquentar-se do frio ao lado dos fogões a lenha.

Como estava na época de fevereiro, estação de verão, a visita do casal à Ilha coincidiu com a realização das “Fiestas Costumbristas”. Essas festas ocorrem todos os anos e consiste em que, todas as comunidades e bairros da Ilha recebam aos turistas (que são das mais distintas nacionalidades) brindando-lhes uma culinária típica, música regional, bailes folclóricos, jogos e todas as tradições campestres próprias dessa região.

Aquela senhora e seu esposo eram pessoas acostumadas a grandes metrópoles. A mulher estava achando muito interessante o passeio pela Ilha, mas não estava se sentindo muito cômoda com a festa. Para ela, aquilo parecia ser um tipo de arraial bem caipira, ainda assim algo lhe chamava a atenção. Durante todo o tempo em que visitou o país, todos lhe diziam que ela precisava provar as famosas batatas de Chiloé. As batatas de Chiloé são únicas em seu refinado sabor, texturas e variadas cores. Pelas condições climáticas da região e pela qualidade das sementes, autenticamente chilenas, fazem com que as distintas batatas chilotas sejam exclusivas e deliciosas.

Durante a festa, várias famílias ”chilotes” estavam reunidas ocupando-se da preparação dos pratos típicos que seriam servidos aos turistas. Um desses pratos era o “Curanto” (cozimento preparado com mariscos, carnes de vaca, cordeiro, frango, porco, lingüiças e batatas). O modo tradicional de prepará-lo é cozinhá-lo diretamente no chão, ao vapor, abrindo-se um buraco profundo e utilizando pedras esquentadas com fogo.

O ambiente para o gosto de muitos estrangeiros estava excelente: música folclórica tradicional, danças típicas e muita alegria. Só aquela senhora continuava com uma expressão de que preferiria estar de compras num Shopping Center.

Dois rapazes “chilotes” já tinham percebido que aquela senhora se comportava com excessivo pudor para tudo, e não tinha assimilado o verdadeiro espírito daquela festa. “Fiestas Costumbristas” trata-se de um encontro entre as famílias de campo, de cultura popular com estrangeiros dispostos a sentar-se ao chão, sujar-se de terra e conversar por horas, ainda que seja com gestos e sorrisos. Os sapatos de salto alto daquela madame nada tinham que ver com tudo aquilo. Para fazer uma brincadeira, eles decidiram então que especialmente para ela preparariam as batatas de uma maneira tradicional antiguíssima, como antanho faziam seus avós.

Serviram todos os pratos aos convidados e a senhora também recebeu o seu: uma farta porção de “Curanto” e umas batatas com casca, assadas à brasa, como acompanhamento. Uma verdadeira delícia. Aquela senhora não parou mais de comentar do sabor maravilhoso daquelas batatas. Imediatamente olhou para o “maridinho Oscar” e disse:

- Quero essa receita porque quero luzir com minhas amigas no Brasil. Como é que se faz essas batatas, moço?

- Em cidade grande vai ser um pouco difícil de prepará-las porque é assada diretamente na brasa- respondeu-lhe um dos rapazes.

- Mas isso não é problema! Eu tenho casa de campo e posso pedir que alguém me prepare uma fogueira!- retrucou a mulher.

- É bem simples e fácil de prepará-las. Junte todo o estrume das vacas, deixe que se seque ao sol, e com essa matéria prima se faz a brasa para cozinhá-las. Ficam uma verdadeira delicia, a senhora não acha?

-Quê???

Nota: Para os leitores como eu, que nascemos e crescemos em metrópole, é sempre difícil entender a filosofia de vida e os valores do homem do campo, do pescador, dessa mulher que tece suas próprias vestimentas, e nunca soube o que é comprar um casaco no Shopping Center. Muitos Recantistas, de distintas partes de nosso país, poderão compreender melhor o significado desse amor à terra, ao mar e suas diversas tradições.

Nenhuma informação dada neste texto terá um olhar objetivo, neutro ou imparcial. Depois de 11 anos morando no Chile, nessa terra do vinho e da majestosa cordilheira, casada com um chileno, mãe de um chileninho, meu coração sempre encontrará que tudo que acontece aqui é lindo e maravilhoso, até comer batata assada no estrume de vaca, acompanhada de um molhinho delicioso feito com pimenta, alho, azeite e finas ervas.

Millarray
Enviado por Millarray em 05/03/2011
Reeditado em 09/08/2011
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