Alguém que passa pela sua porta

Parecia quase três horas quando me direcionei pra janela. Dissolvi a cabeça do que fazia durante alguns instantes. A mudança de temperatura faz com que caia uma chuva fina, a famosa garoa, quase todas as tardes. Olho bem abaixo, em direção da lixeira, ali mesmo onde ás vezes deixamos de um dia pro outro o lixo que acumula dentro de casa e já se torna insuportável devido ao cheiro, havia alguém vasculhando as bolsas descartadas.

Era um desses mendigos que aparecem volta e meia, que eu não sei de onde vem, e nem que caminhos fazem, mas que parecem conhecer bem esse ponto (talvez por estar situado entre duas casas comerciais e aparentar ter mais chance de encontrar algo que preste). Pois bem, ali estava o homem, e mesmo não vendo seu rosto, parecia estar admirado com a quantidade de bugigangas encontradas dentro de um saco transparente, daqueles que suportam bastante volumes.

O homem parecia estar fazendo a feira! Deixa uma de suas bagagens no chão; já aberta, esperando o embarque de novas quinquilharias, que se amontoam do lado de fora da mochila infantil que ele ostenta com capricho. Ele vai abrindo, e vejo as mercadorias que se seguem: um velho livro de receitas. Folheia o início, olha bem a capa e logo ajunta pra levar. Revira mais um pouco, e lhe surge um monte de cartas antigas notadamente amareladas pelo tempo, sem muita pressa olha, e logo descarta.

Surge um isqueiro, prontamente pega, assim como alguns panos de prato jogados fora. Um par de sapatos femininos velhos serve, pra alguma utilidade, - talvez tenha alguém da família que precise – pensei. Mexe mais fundo no baú de surpresas, e se depara com um DVD, olha a capa e contracapa abre pra ver por dentro, contempla atraído pela descrição do encarte e logo junta com as outras coisas.

Logo sendo este o último objeto achado – pensei eu – ele deve pegar seu rumo e manter o lixo em ordem, mas o homem de aspecto nefando, ainda tenta obter alguma coisa que possa ser de maior utilidade, volta a mexer e algumas coisas submergem pra fora da bolsa, vindo ao chão.

Acha uma tesoura, nesse momento me preocupo; sem ter a certeza se aquele objeto está caindo em mãos atentas ou perigosas, por um segundo começo a por em dúvida a sanidade daquela pobre criatura, que assim como eu tem seus momentos de impotência e fragilidade. Penso em ir lá e oferecer algo em troca pelo resgate da tesoura, mas o abismo que nos separa talvez torne esse diálogo improvável.

Lembro-me no mesmo instante que o lixo que ele remexia, fora posto pela filha da vizinha, que na noite anterior tinha feito a “limpa” nas coisas de sua mãe. Ainda assim, passou na minha cabeça de ir lá ao homem e convencê-lo a deixar sua mercadoria. Refleti que é necessário aprender o que damos as pessoas - ele não tinha dinheiro pra comprar, e não foi ali pra roubar nada. Foi tudo achado, e afinal; pra aquilo que é achado, não existe moeda de troca!

Márcio Diniz
Enviado por Márcio Diniz em 10/03/2011
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