O Reencontro de Mandruvachá e Raimundo do Bento

O caboclo Mandruvachá sentado numa Aroeira antiga à porta de sua humilde palhoça, vê ao longe um vulto na toada do sertão, rumo a porteira.Com os olhos na estrada e sem saber quem se aproximara, espera calmamente até que ela se identifique.Mas para o espanto dele era o inseparável amigo Raimundo do Bento.

E o Mandruvachá:

- Num é qui é o Cumpade Remundo in carne e osso! Cumé que tá o sinhôre?Qui sartifação!

Remundo do Bento

- Oi cumpade Mandruvachá!O tempo passa mais num passa a sodade!

E enrolando um cigarrinho de palha o Mandruvachá:

Mandruvachá

- Se achegue meu cumpade

Pode se ajeitiá

Arrasta uma cadêra

Vamo prosiá!

Um dedo de prosa

Faz bem a min álima

Tudo se acarma

Com o seu chegá.

É o nosso costume

É um santuáro

Onde o povo leva

Toda sua fé

A minha Teresa

Tá lá pra cozinha

Tá filiz da vida

Coano o café.

Cumpade eu sô

Um home filiz

Viveno aqui

Nesse meu sertão.

Tô longe

De promessas farsas

Que os home fizero

A essa nação.

Aqui os meu zóio

Se abre mais cedo

Vejo a passarada

Fazendo a canção.

Ao pôr do sole

Pego a viola

Toco uma moda

Pa mode ispairicê

E em nossa singela cama

Enrosco na Teresa

Sonho cum as vereda

No arvorecê.

Pego a canoa

E vô rio acima

Cumpro a minha sina

E trago o alimento

Pra mode cumê!

Diz aí meu cumpade!

O que o sinhô

Veio aqui fazê.

Remundo do Bento

- Óia meu cumpade

Vim inté sinhôre

Mode a sodade

Disaparecê

Fui enganado

Pelas lei dos home

Tudo me consome

É um padicê...

Eu já vendi

A minha viola

Pa aos meus fio

Dá o de cumê...

A Maria chora

Quase todo dia

Fala em vim imbora

Pra tê alegria.

No finá de tarde

É uma corriria

É um tár de trânsto

Pa gente passá.

E de manhã bem cedin

Mais um arvoroço

Impidino os pássuro

Inté de cantá...

Eu sinto farta da minha inxada

Das minha terra

E do meu pescá.

E toda tardinha

A Maria

Nossos fio

Na bêra do rio

A me isperá.

O peso era muitio

Pois tava cheio

O meu samburá...

Eu vim

Inté aqui meu cumpade

Pra vê se o sinhôre

Pode me ajudá.

Mandruvachá

- Pode vim imbora

Será um prazê

Aqui a terra é nossa

E há de froriscê

Quem nasce no campo

Sabe o que é vivê

E nossa amizade

Nunca há de morrê!

Se achegue meu cumpade

Pode se ajeitá

Arrasta uma cadêra

Vamos prosiá!

Um dedo de prosa

Faz bem a min álima

Tudo se acarma

Cum o seu chegá...

Nas nôte de lua cheia

Eu fico à alembrá

Das moda que nóis fazia

Lá nas banda do Aporá.

Nossa viola

Pontiava bunito

Cortava no reio

Pra mode dançá.

Lá eu cunheci a minha Teresa

Muié formosa de arripiá.

E o sinhô cunheceu a Maria

Do sorriso mais bonito

Daquele lugá.

Vamo cumpade

Dêxa de tristeza

Conte logo um causo

Pra nóis se alegrá.

Remundo do Bento

- Óia cumpade!

Eu me alembro daquele dia

Que nóis entremo naquele espigão

Pra mode tirar o tôro Brasão

Daquele grotão.

Seus zóio briava

Pelo amô que tinha na criação

A peleja foi tanta

Que o sinhô chorava baixinho

De tanta imoção!

Quando a peleja

Se arresumiu

O sinhôre se ajueiô

E a São Gonçal agradiceu:

-Obrigado meu São Gonçal

Por sarvá o tôro Brasão

Vô pegar a minha viola

E fazê uma canção

Esse tôro é minha vida

E o sinhô a minha sarvação!

Naquilo cumpade eu chorei

Im vê a sua devução

Ali o sangue escurria

Mais tava sarva a criação...

Pedi bem baxin ao Criadô

Pra mode abençoá

A nossa amizade

E qui o sertão

Fosse sempre assim

Trazeno pra nóis

A filicidade!

Mandruvachá

- Óia cumpade!

Vamo dêxá de lorota

Pode trazê a famia

E vortá aqui pra roça.

Eu vou ajeitiá um cantin

Lá pirtim do currá

E já tem uma simpres paioça

Pu sinhôre e famia morá.

Larga a cidade grande

E vem logo pra cá

A cuidá dos rio e do sertão

Pra todo mundo apriciá.

Óia cumpade!

Aqui nessa terra

É qui vamo morrê

Aqui se vê o sole nascê maduro

E a tarde esperano o iscuro

Mais a lua bela se faiz brotá

As istrela é o vagalume

Qui os sonho fais alumiá

Pode vim cumpade!

Estô a isperá

E quando a portêra se abri

Saiba cumpade

Que ela qué te abraçá!

Remundo do Bento

-Óia meu nobre cumpade

Sei que a Maria

Vai ficá numa aligria

E os meus fio

Vai inté disaguá...

Vô arrumá as mala

Pois a sodade num me cala

E pu sertão vamo vortá.

Quando aqui nóis chegá

Vamo rezá um telço

E a Jesuis agradicê

Em minha prece cumpade

Tamém vou improrá

Que São Gonçal me dê outra viola

Pra nóis dois vortá a tocá

Pois a minha cumpade

Em argum canto istá

Mais a venda foi pa mode

Dá o de alimentá!

Mandruvachá

- Óia cumpade!

Vamo dêxá de lorota

Pode trazê a famia

E vortá aqui pra roça.

Eu vou ajeitá um cantin

Pra mode o sinhô e a famia

Morá perto de mim.

Num ixiste amizade mió que a nossa.

Cumpade vô lhe presentiá

Cum uma faxa de terreno

Lá tem uma paioça piquena

Mais dá pra famia morá.

Tem uns pezin de fêjão

No brejo o arrois já cacheô

Tem uma vaquinha boa de leite

Galinha e um galo cantadô.

Vamo rezá pra mode chuvê

E a nossa coiêta vai sê uma fartura

Juêi no chão pra agridicê

Nossa bataia que sempre foi dura.

O pôco que eu tenho

Dá pros dias meu

Vô dividi cum o sinhô

A pidido de Deus.

E inquanto isso eu vô na cidade

Tem uma situação

Qui vô arresorvê

Vai sê um pulim

E na boca da nôte

Vô tá aqui pá mode a sua fami

Eu arrecebê.

Remundo do Bento

- É pra já meu cumpade

Vô e vorto num pé

O sinhô é amigo

E eu boto fé.

Mandruvachá

- Teresa eu vô arriá

O meu nobre cavalo

Vò na cidade

E vorto num istalo.

(Produzir som de tropel de cavalo)

Mandruvachá

- Óia meu sinhô

Tô aqui im sua casa

Pra mode fazê um pidido

A viola que vocemecê comprô

Era do meu mió amigo

Ele vendeu a companhêra

Pra alimentá a famia

Eu vô comprá ela de vorta

Pra cabá com a agunia

Ele é meu cumpade

E só me dá aligria!

Juca da Venda

- Num vô cobrá nada

Pruquê amizade num tem preço

Diga ao seu amigo que ela eu ofereço

E com o sinhôre aprendi o que é amizade

Por isso te agradeço

Vai logo seu moço!

Fidelidade vem de belço.

(Produzir som de tropel de cavalo)

Remundo do Bento

- Tamo aqui cumpade!

De mala e cuia

Como o paiole e a aguia

Viemo pro sertão

Pra nóis é aleluia!

Mandruvachá

- Seja bem-vindo cumpade Remundo

Meu coração inté dibuia!

Essa paioça é simpres

Mais foi feitia cum amô

Veja na parede

Pindurada cumo uma frô

Vê se sinhô se alembra

Daquela viola de pinho

Qui sempre te acumpanhô.

Remundo do Bento

- Ô meu cumpade

É muitia imoção

O sinhô feiz nascê de novo

Meu pobe coração.

Num sei cumo agardicê

Pu essa gratidão

Minhas lágrima é inchôrrada

Qui móia o meu turrão.

Mandruvachá

- Amigo pá essas zora

Num importa a ocasião

E a parti de agora

Tudo é sartifação

E o meu maió orguio

É vê o sinhô de vorta

Pu nosso sagrado sertão!

Inté!

Tinga das Gerais