Belizário e sua herança...

Belizário era um analfabeto de pai e mãe como se diz no popular. Como diria um amigo: Para escrever um “o” tinha que sentar pelado na areia. Perdeu seu emprego de salário mínimo justamente porque a firma exigia pelo menos uma assinatura; coisa que seu calejado polegar fazia sem muito esforço.

Começou a sua labuta atrás de outro emprego. Todo santo dia, sua esposa o acordava lá pelas três horas da madrugada dizendo: Vai Belizário, procurar seu emprego senão morreremos de fome.

Lá vai o Belizário. Depois de mês em infinitas filas, andando a pé porque não tinha dinheiro para lotação, escutando desalmados não, pensando em voltar para o interior onde sua velha e solitária mãe vivia num pequeno sítio; apareceu uma luz no final do túnel.

Quando o entrevistador de uma grande empresa, sobrinho do dono, bateu os olhos na ficha e no nome do Belizário, reconheceu nele um parente muito próximo, procurado até porque precisavam de uma assinatura dele numa herança enorme vindas de um tio de sangue, cheio das posses, que tinha morrido sem ter nenhum filho.

Começou assim o “sete e um” do parente: Meu patrão está precisando de uma pessoa de sua qualidade, honesto, sem ficha na polícia, sem atrasos nos antigos serviços, para cuidar de sua casa e de sua família...

- Mas quanto ele vai me pagar...

- Calma seu Belizário. Para esse tipo de serviço meu patrão não tem medo de colocar a mão no bolso. Com essa ficha limpa talvez lhe pague uns vinte salários, estudo para os filhos se os tiver, plano de saúde, carro para se locomover, motorista se o senhor não tiver carteira...

- Mas...

- Calma seu Belizário. Só vou precisar de uma confirmação de um ex-patrão seu. Se até amanhã não receber nenhum telegrama até a meia noite poderá vir na segunda feira que o emprego é seu.

- Mas...

- Vá com Deus senhor Belizário, cumprimentos à família e até Segunda Feira...

Lá vai o Belizário contar o ocorrido para sua sofrida esposa. Ela, coitada, naquela pobreza eterna não conseguiu nem dormir. Contou para a comadre que falou para o compadre que foi para o bar, que falou para o dono do butiquim, que falou para a filha parar de dizer não ao magrelo filho do Belizário, que contou para suas amigas que iria namorar o cara mais “rico” daquele sofrido bairro...

Mal o dia amanheceu, a casa já estava rodeada de gente. Não teve jeito, mesmo com o Belizário falando que não poderia contar com o ovo na bunda da galinha, virou festa. O dono da casa de material de construção disponibilizou a churrasqueira, o dono do butiquim disponibilizou as bebidas “por conta” do futuro salário milionário do bairro. O dono do açougue, que sempre disse não a um toucinho fiado, apareceu logo com várias peças de picanha maturada porque seu Belizário já não tinha lá os dentes tão sadios... Sei lá de onde, apareceu também um conjunto tocando forró, sempre pronto aos pedidos de seu Belizário; geralmente músicas antigas de corno... Seu Belizário, mesmo embriagado não tirava o olho da esquina com medo do maldito telegrama...

E assim passou o dia inteiro. Bebedeira e comilança à custa do futuro salário do Belizário. Apareceu até um candidato a vereador dizendo que o asfaltamento do bairro dependia também da filiação de “seu” Belizário em seu partido, tão “imbuído” em causas populares.

E as horas foram passando... Nove, dez, onze horas da noite... Até os beberrões começaram a sarar do fogo olhando para a agonia de Belizário com os olhos fixos naquela rua escura...

Abraçado a sua esposa, juntou sua prole e pediu todo mundo para fazer “figa”, ou seja, cruzar os dedos como forma de torcida...

Quando faltavam dez minutos para meia noite, não se ouvia um pio entre os farristas; aquela festa ficou parecendo um velório. Algum tapa nas costas como se dissessem: Vai dá tudo certo “seu” Belizário. Quando faltavam cinco minutos para meia noite apareceu o inesperado. Uma moto escura cruzou a esquina daquela rua escura.

- Seu Belizário da Silva Flores? Assim já perguntava o funcionário do correio.

- Pois não. Já dizia o resignado Belizário.

- Telegrama para o senhor.

Nessa hora o dono do açougue e do butiquim já agendavam uns recibos para o pobre Belizário assinar. Todos foram se levantando como se fossem aquelas cadelas que, quando acaba o cio, mordem no macho que as possuiu.

Ninguém nem prestou atenção quando o Belizário dava pulos de alegria quando sua esposa leu o telegrama: Minha mãe morreu! Minha mãe morrrrrrreeeeu!

JOSÉ EDUARDO ANTUNES

Zeduardo
Enviado por Zeduardo em 03/04/2011
Código do texto: T2887228
Copyright © 2011. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.