OS PERIGOS DE UM CACÓFATO

Arroz Agulha, de quem eu falei no Informativo AEJES do mês passado, é, também, conhecido no Bairro por Sabedoria. Os mais íntimos chamam-no de Arroz Agulha, em razão do formato de sua cabeça; os menos íntimos, de Sabedoria. Julga-se bem informado e discute sobre qualquer tema sem, jamais, alterar a voz. Também não tem compromisso com a verdade.

No dia de finados, cerca das 14 horas, encontro-o, meio de fogo, encostado a uma árvore, na Praia do Suá. Exibia um inchaço no rosto, do lado esquerdo.

- Arroz, boa tarde, o que causou esse inchaço no seu rosto? – perguntei-lhe eu.

- Foi um cacófato – respondeu-me ele.

- Cacófato! – surpreendi-me.

- Sim, esclareço. Você sabe que ave é uma interjeição, vem do latim ave e é uma forma de saudação, equivalente a salve. Pois bem. Ontem eu estava em frente ao boteco da esquina, sentado num caixote, quando passou um cidadão, para mim desconhecido, deixou uma moeda num lado do caixote e, com o braço direito, fez um gesto, que eu entendi como um cumprimento. (Tenho a impressão de que ele pensou que eu era um mendigo). Em resposta, eu dirigi o olhar para ele, levantei o braço direito, e lhe disse ave. Eu não tinha, ainda, abaixado o braço, quando senti uma pancada forte no meu rosto. Foi uma tremenda bofetada, dada por aquele cidadão. Não fosse a surpresa eu até que poderia ter revidado, pois tenho condições para vencê-lo com uma mão só.

Entre curioso e estupefato, perguntei-lhe: - e que providência você tomou ?

- Nenhuma. Conversando com meu pai, contei o ocorrido, e ele, sem pestanejar, gritou: - foi o cacófato.O cara chama-se Adão, aposto. E acrescentou: - você ainda era muito pequeno quando eu fui enxotado de uma residência, onde estavam muitas pessoas, homens e mulheres, sob xingamentos e vergastadas, simplesmente por causa de um cacófato. Eu contava a história de um sítio rural que comprei. Eu dizia que comprei o sítio sem vê-lo, simplesmente porque um amigo me informara que no terreno tinha muita, mas muita pita. Eu raciocinei alto: onde abunda a pita a terra é boa.

- É...

-Pai – gritou Arroz.

O pai, que passava na calçada, do outro lado da rua, se aproximou e, ao me cumprimentar, exalou aquele cheiro de cana, da boa.

- Pai, o sr. sumiu. Aonde foi ? perguntou Arroz.

- Participei da reunião de condomínio. Fui indicado como candidato a síndico. Quem indicou foi dona Creusa. Você não acredita, mas essa expressão saiu da boca dela: Fio, você deve ser o síndico, porque é pessoa séria, educada, trabalhadora e estimula a convivência harmoniosa.

Saímos dali, os três, e fomos tomar uma cervejinha no restaurante “São Pedro”. Tão logo sentamos à mesa, Fio tomou a palavra:

- Cacófato – disse Fio – é perigoso, mas só quando dito por pessoa sem expressão. Num dos jogos do Brasil na última copa, no auge da partida, um figurão gritou bem alto e próximo a um microfone, aberto, de uma TV: - dá a bola, Cafu. E Cafú d...quer dizer, passou a bola. E o que que aconteceu ? Nada.

- Pai - tomou a palavra o Arroz – eu passei a noite de ontem e a manhã de hoje pesquisando sobre cacófato. Desculpe-me, mas o Sr. não tem razão. Camões, um dos maiores poetas de todos os tempos, ao sentir saudade da sua mulher, Natércia, que estava, se não me engano, na África, deve ter pensado – eu amo ela. Nada mais justo do que dedicar-lhe um soneto. Passando da idéia à ação, escreveu: “Alma minha gentil que te partiste...” Sabe o que lhe aconteceu, pai? Furaram-lhe um olho.

Bem – disse-lhes eu – tenho compromisso com minha família. Assim, vou-me já andando.Até a próxima.

- Fio da p..., pensei eu, já um pouco distante.

levy pereira de menezes
Enviado por levy pereira de menezes em 12/11/2006
Código do texto: T289270