O Curioso Caso do Advogado e da Ninfomaníaca

I

Sou um advogado normal - absolutamente normal! – ainda que muitos dos meus companheiros de trabalho costumem apresentar opiniões um pouco divergentes sobre esta alegre figura que vos fala.

Parte destas pessoas acredita plenamente que eu seja em verdade uma aberração jurídica. Já a outra parcela apresenta opinião diametralmente oposta. Isto porque provavelmente se deparou de forma mais profunda com a minha particularíssima postura de ser e de exercer a advocacia.

Seja como for, todos aqueles que se referem a minha pessoa o fazem por perceberem que eu vivo, ajo e me expresso exclusivamente de acordo com as minhas próprias idéias e concepções e que raramente costumo fazer concessões ou ceder a pressões alheias.

Para que possam compreender melhor a minha maneira de ser, vou lhes confidenciar um dos meus modus operandi na atuação do Direito. O fato é que jamais dei entrada em um processo de separação ou divórcio. Tenho para mim que não vim ao mundo para dividir as pessoas, mas para uni-las através da conciliação e do acordo. Não foi por acaso, portanto, que acabei me formando em direito e me especializando no trato da Justiça do Trabalho.

O caso que me vem à lembrança nesse momento é o seguinte: tempos atrás fui procurado por um cliente para providenciar os papéis de sua separação matrimonial. Ele e a esposa não vinham se dando bem desde há um bom tempo e ambos acreditavam ser aquele o momento certo para darem prosseguimento em separado nas suas vidas.

Porém - depois de alguma conversa e muito diálogo - resolvera o casal se permitir uma nova chance. Vocês podem não acreditar, mas um ano e meio depois fui novamente procurado pelo tal sujeito. O motivo é que já não era mais o mesmo: ele surgira muito alegre e radiante e simplesmente me convidara para ser padrinho de batismo da sua filha que não tardaria a nascer.

São motivos assim que me fazem aceitar sem o menor embaraço ou constrangimento o apelido de “aberração jurídica”. Afinal, se é a isto que chamam aberração, é exatamente assim que eu sempre me imaginei ser e desejei viver. Assim, agradeço ao bom Deus e levanto as mãos para o céu!

II

Mas decerto que não me apresento aqui hoje para fazer qualquer espécie de apologia ou oposição à belíssima instituição do casamento. Imagino que sobre tal assunto as idéias sejam sempre um tanto variadas e apresentem uma grande margem de defensores e opositores arraigados.

Em verdade me dirijo a Vossas Senhorias para vos relatar um curioso caso que se sucedeu comigo no desabrochar da minha juventude, aurora da existência.

O caso é que naquela época estabeleci uma estranha relação com uma mulher por quem estive completamente apaixonado e é sobre este relacionamento e as conseqüências que me advieram dele em minha vida pessoal, sentimental e – principalmente! - profissional que passarei a tratar a partir deste momento.

III

Posso iniciar dizendo que na primeira vez em que nos amamos, Alice me fez sentir o homem mais feliz e sortudo desse mundo. Não, mais que isto, pois do mundo apenas ainda é pouco: na verdade ela me fez o homem mais feliz do Universo. Mas também o mais estranho, ouso dizer e confessar!

A pele oleosa e perfumada daquela morena cheia de dengos brilhava misteriosamente no escuro do pequeno quarto de hotel que alugáramos. Era como se ela fosse possuidora de luz própria e, tal qual brilhante estrela, emitisse no ambiente sua singular fosforescência.

Já a partir desse primeiro encontro eu passei a me sentir como uma mariposa que se visse inevitavelmente tragada e atraída pela luz de uma lâmpada ou lamparina. E a lâmpada, naquele caso, era o corpo macio, quente, cheiroso e iluminado de Alice.

Só meses mais tarde foi que consegui estabelecer uma absurda ligação entre aquela curiosa fosforescência que se exalava da pele da mulher e a minha sensação de estar me sentindo uma mariposa: aquilo decerto provinha do excesso de copulinas existente no corpo de Alice – conclui. Os feromônios femininos daquela ninfomaníaca me mantiveram cativo durante todos os meses em que estive deliciosa e perigosamente ligado aos cuidados, carinhos e caprichos daquela morena.

E ela me amava de tal maneira e numa tal intensidade como mulher alguma jamais houvera feito antes e fora aquilo decerto que acabara por fazer com que ela me conquistasse definitivamente.

IV

Supõe-se que o grande desejo da maioria dos homens seja o de ter uma ninfomaníaca apaixonada por si. Se fosse dado a um sujeito escolher em tal assunto, poucos hesitariam em marcar o “x” nesta opção. Mas só quem já passou por essa trágica experiência saberia reconhecer como é dolorosa a sensação que lentamente se estabelece em nós e nos faz sucumbir a partir daí.

E Alice – devo deixar isso bem claro! – Alice jamais se contentava ou se fazia satisfeita. Ela queria sempre mais e mais e a toda hora e a todo momento e em todo canto e lugar. Sua boca sedenta era insaciável e sempre se dispunha e se propunha desejosa por mais e mais beijos, como uma rosa-flor sequiosa pelas prendas e os beijos de um beija-flor.

Muitas vezes eu me pegava já naquela época questionando a minha própria capacidade física de um dia chegar de fato a satisfazer completamente os desejos absurdos daquela misteriosa mulher.

Mas se o leitor imagina que eu já houvera atingido o ápice das minhas dificuldades, está literalmente enganado. A coisa tendia a se complicar e a se agravar ainda mais. Faltava a Alice por abaixo todos os aspectos da minha vida: os profissionais, os pessoais e os afetivos. Os dois últimos já haviam sofrido uma boa dose de estragos e devastação: nós nos afastáramos totalmente dos demais parentes e amigos e sobrevivíamos juntos e únicos em nosso ninho de amor. Éramos, em todo o mundo, apenas eu e ela e aquele estranho e constante estado de volúpia – misto de obsessão e safadeza – que nutríamos um pelo outro.

No entanto, depois que você vive a difícil experiência de amar uma ninfomaníaca, os pesos do bem e do mal se tornam um tanto oscilantes e obsoletos e chega um ponto em que você passa a não querer pensar e nem saber de mais nada. Como eu afirmei anteriormente, a pessoa começa se assemelhando a uma mariposa tragada pela luz, mas acaba se tornando e se sentindo como o bagaço de uma laranja.

Ouso afirmar em verdade que por pouco – por muito pouco mesmo, prezados leitores! – deixei de apreciar o doce e interessante convívio das mulheres, tal o estado físico e psíquico deplorável a que fora submetido e conduzido triunfalmente por aquela fascinante mulher.

V

É possível que neste momento o leitor sinta alguma perplexidade e mesmo certa dificuldade para acreditar nos fatos que há de tomar conhecimento. No entanto, tudo o que aqui vai escrito e registrado é o mais puro e fiel retrato da realidade. Não acrescentei nem diminui uma única vírgula nos acontecimentos que lhes vou narrando.

Em minha relação com Alice só restava mesmo que ela atingisse com um golpe certeiro e fatal o meu lado profissional, o labor diário com que ganho o sustento da vida: a minha atividade de advogado.

O grande acontecimento de que eu me recordo nesse sentido se deu exatamente numa audiência trabalhista. Com muito diálogo e disposição, havíamos conseguido entabular um bom acordo no caso de uma justa causa bastante duvidosa.

Em determinado momento, entretanto, a juíza necessitou obter de mim uma simples informação acerca das parcelas salariais e indenizatórias constantes do referido pacto. E o caso é que eu simplesmente havia apagado, estava dormindo o sono dos justos e dos satisfeitos. E – meus amigos, tenho até vergonha de registrar aqui estas palavras – cheguei a babar e a roncar como um porco em plena sala de audiências, tal o lastimável estado de esgotamento e cansaço em que me encontrava.

É o que eu afirmei anteriormente: aquela mulher faminta conseguira transformar o homem que eu era num bagaço de laranja, desses que a gente suga todo o caldo com a boca mal aberta e depois atira tudo ao léu pela janela dos fundos da casa.

Naquela manhã eu concluíra definitivamente que a minha relação com Alice havia de fato chegado ao limite. Ao ser despertado pelo toque das mãos do datilógrafo de audiências – certamente à pedido da meritíssima, meu Deus! - prometi a mim mesmo que colocaria um ponto final naquela situação e naquele vício que vinha me consumindo e causando tamanho estrago em minha vida e no meu espírito.

Hoje – passada a fase de dispersão e loucura em que me vi enredado e perdido – só me resta olhar para trás e refletir que, apesar dos pesares, aquele período com certeza se tornou importante fonte de inspiração e de crescimento tanto na minha vida pessoal quanto em minha formação profissional. O amor daquela mulher e suas estranhas e incessantes sutilezas me fez compreender melhor a natureza profunda das diferenças e das necessidades humanas.

Finalmente - eu até ousaria afirmar! - se aquela época não foi de fato a melhor da minha vida, é possível que ao menos tenha sido a mais divertida e curiosa. E é nisso certamente que hoje acredito com toda a boa fé e a fortaleza da minha sublime alma de advogado trabalhista!