O Caso de Um Outro Dia na Vida da Mesma Estagiária de Direito

I

Vocês certamente se lembram de mim...

Não? Como não?! Não leram “Um Dia na Vida de Uma Estagiária de Direito”, uma das histórias que faz parte do livro “Quem Conta Um Conto Aumenta Um Ponto: Histórias da Justiça do Trabalho”?

Se bem me recordo, lá eu discorria sobre o meu primeiro dia de trabalho como estagiária em um grande escritório de advocacia de Belo Horizonte. Naquela ocasião me esqueci completamente de me apresentar com todos os pingos e “is” para vocês. Por isso o farei aqui e agora: o meu nome é Alegna Megrived Airam.

Sempre achei que com um nome desses certamente uma porção de coisas esquisitas e ruins haveria de acontecer na minha vida. Pois se não perceberam, Alegna Megrived Airam é exatamente o inverso de Ângela Virgem de Maria.

O caso é que os meus pais - além de fãs da cantora Ângela Maria! – eram ou se achavam muito criativos na escolha dos nomes de seus dois filhos, ou seja, eu e meu irmão solrac Otaner (Carlos Renato).

Naquele primeiro caso discorri discretamente sobre o meu dia de trabalho num escritório de advocacia da Capital. Hoje já me recordo de tudo aquilo com mais tranquilidade e o trabalho de estagiária já não me assusta tanto quanto naqueles primeiros dias, apesar da continuidade das dificuldades.

Entretanto, passei outro dia por um perrengue terrível e quase tão grave quanto os fatos relatados naquela ocasião. Vou lhes contar tudo do jeitinho exato como aconteceu e depois peço que me respondam sinceramente e do fundo de seus corações de leitores e leitoras: vocês acham que é fácil a vida de uma estagiária de direito?

II

Primeiramente devo informar aos adeptos da doutrina da reencarnação que existem duas coisas que definitivamente eu não gostaria de ser na minha próxima vida: nem muleta e nem estagiária de direito. O fato é que as duas só servem mesmo é para que os outros se apóiem nelas e as utilizem para alavancarem suas próprias vidas e ações. E veja que nem a muleta e nem as estagiárias de direito costumam fazer nada de muito bom ou significativo, pelo menos na curta visão e na opinião um tanto estreita daqueles que se apoiam nelas ou que as supervisionam nos escritórios de advocacia.

E nem sonhe que seja possível mudar essa terrível ordem de coisas: se uma estagiária faz algo certo, os advogados certamente dirão para o cliente que o acerto conseguido se deveu exclusivamente à boa influência e à eficiência do escritório. Se, por outro lado, o escritório comete qualquer tipo de falha ou erro no processo de algum cliente, basta dizer a este que a causa daquilo foi o trabalho da ineficiente estagiária de direito.

Mas vamos ao caso que é o que nos interessa neste momento.

III

Vinha eu tranquila e serena subindo o quarteirão que se estende exatamente na frente do prédio do Fórum da Justiça do Trabalho, na avenida Augusto de Lima.

Estávamos no mês de fevereiro de 2011 e - se acaso não se recordam - devo refrescar as vossas memórias dizendo que naqueles primeiros dias desse mês chovera a cântaros. São Pedro abrira com vontade as torneiras e comportas do Céu, a chuva desabava durante todo o dia e não dava trégua.

Certa ocasião eu acabara de percorrer um total de nove Secretarias das Varas do Trabalho de Belo Horizonte. Ainda restava que eu visitasse outras cinco. Naquele dia funesto a minha obrigação se resumia em fazer a carga de uma série de processos.

Tendo cumprido parte do meu trabalho e estando já com o meu carrinho de mão completamente cheio de processos empilhados, percebi que já era hora de levar os autos até o escritório e descarregar ali parte da minha “encomenda” diária. O escritório ficava a menos de dois quarteirões do Fórum Trabalhista: eu tinha apenas que sair do edifício, transitar alguns metros pelo passeio público da av. Augusto de Lima e atravessar com segurança para o outro lado desta via no sinal existente na esquina da Augusto de Lima com a Rua Araguari. Atravessada a avenida, faltava menos que cinquenta passos até o nosso escritório.

Então, aproveitando que a chuva dera uma rápida trégua, descemos eu e o carrinho os degraus que separam o hall do edifício do passeio público da Avenida. Com a chuva caindo fina, o passeio se encontrava vazio, o que me ajudou a chegar rapidamente até a esquina das vias anteriormente citadas. Para não me molhar demasiadamente, fui caminhando por baixo das marquises que guarnecem as várias lojas de roupas femininas localizadas naquele espaço comercial.

Como boa pedestre e pessoa respeitadora das leis, parei exatamente diante do semáforo e me pus a aguardar a abertura do sinal verde para a travessia segura dos pedestres. Pois bem: assim que o sinal se abriu para mim, desci outra vez com todo o cuidado, alguma dificuldade e muita lentidão o carrinho carregado de processos. Porém, mal havia dado dois ou três passos quando percebi que o fitilho plástico que prendia e dava firmeza à pilha de processos sobrepostos havia se rompido.

No momento seguinte pude ver aquela verdadeira “Torre de Pisa” de processos se inclinando lentamente e se espalhando pelo asfalto molhado da Avenida Augusto de Lima. E não é por nada não, mas naquele dia São Pedro devia estar mesmo com alguma antipatia especial da minha ilustre pessoa: no mesmo instante em que os processos caíram, começara outra vez a escorrer uma chuvinha fina e persistente que me fez temer o pior.

Mas a coisa ainda tendia a se complicar um pouco mais. Segundos após os processos se espalharem na avenida, o sinal fechou para os pedestres e tornou a abrir para os automóveis.

Mas foi então que...

IV

Foi então que surgiu e se dispôs bem na minha frente o meu herói e salvador. Vou denominá-lo simplesmente de “o meu Brad Pitt”.

Ele abriu os braços como um super-homem e se postou como uma parede protetora entre mim e os automóveis que começavam a acelerar e a me ameaçar com suas buzinas.

Estes, porém, não ousaram arredar um passo que fosse do lugar aonde se achavam até que eu terminasse de apanhar todos os processos e voltar a empilhá-los sobre a base metálica do carrinho. Em seguida atravessei o restante da avenida ainda escoltada por meu salvador e me vi completamente segura no passeio público do lado oposto da via.

Ah, já sei: estou sentindo nesse momento certa curiosidade feminina no ar. As leitoras com certeza estarão se perguntando: afinal, quem teria sido o herói que me tirou do meio da rua e dentre o trânsito conturbado dos carros e dos grossos pingos da chuva para a segurança do passeio público?

Para que não morram de curiosidade, vou lhes dar uma só dica: ele é um Guarda Municipal muito bem alinhado e charmoso que trabalha nas imediações da sede do clube do Cruzeiro.

Isso basta ou querem saber algo mais? Se acreditam que eu vou entregar de bandeja qualquer outra informação, estão muitíssimo enganadas. Ainda mais que essas redondezas estão sempre repletas de advogadas e estagiárias muito sirigaitas e namoradeiras.

Assim – finalizando a minha narrativa e voltando à pergunta que lhes fiz no início desta história – peço-lhes que me respondam com toda a sinceridade dos vossos corações de leitores e leitoras apaixonadas: é ou não é realmente difícil a vida de uma estagiária de direito?

À pedido da estagiária Alegna Airam foi acrescentada nesta página a seguinte nota de rodapé:

“Caso o leitor ou a leitora se interesse em conhecer a história aonde eu narro as façanhas, aventuras e desventuras do meu primeiro dia de trabalho como estagiária em um grande escritório de advocacia, basta remeter um e-mail para o meu editor e aguardar o recebimento da referida narrativa”

- E-mail para contato: luisfafich@hotmail.com.