O Caso do PlayStation

I

No dia 18 de abril de 2011 a Diretoria da Secretaria de Mandados Judiciais (DSMJ) recebeu o seguinte mandado expedido por uma das varas de trabalho da Capital:

Mandado de Entrega de Bens

A Exma. Dra. Beltrana de Tal, Juíza do Trabalho da Vara do Trabalho de..., na forma da lei, manda ao(à) Sr.(a) Oficial(a) de Justiça-Avaliador(a) que, à vista do presente mandado, dirija-se à Rua X, no. 340, Bairro Cachoeirinha e, em seu cumprimento, faça a entrega do bem abaixo discriminado, depositado nas mãos de Pedro Álvares Cabral, portador da CI no. M. 123456, ao Sr. Pero Vaz de Caminha, arrematante, portador da CI no. M 654321, levado à praça no dia 23 de março de 2011, pelo maior lanço oferecido, sendo as despesas por conta do arrematante nos termos do artigo 19, parágrafo 5º. Do Provimento 8 do TRT 3ª. Região:

- 01 aparelho de Vídeo Game Play Station 2, série CE 12345654321, em bom estado de uso e conservação, que avalio em R$350,00. Obs.: o referido aparelho se faz acompanhar de um Joy Stik (manete) de cor preta

O bem se encontra na rua X, no. 340, bairro Cachoeirinha.

A primeira via do mandado acima descrito fora juntada pelo escrivão da Secretaria à fl. 231 dos autos e duas outras vias foram encaminhadas ao competente setor de cumprimento dos mandados.

O caso fora que após a avaliação e a penhora do bem, o mesmo fora arrematado em primeira praça pelo valor de R$150,00. E, conforme efetivamente constara no corpo da certidão expedida pelo Oficial de Justiça e anexada ao Mandado de Penhora e Avaliação de bens, o vídeo game encontrava-se em perfeito estado de uso e conservação, com exceção de um pequeno e profundo arranhão que se achava inscrito na borda direita do joy stik e à qual o oficial não dera muita importância. Mas aquilo em nada atrapalhava ou diminuia a utilização do jogo e as finalidades de diversão próprias do aparelho.

Cabia agora ao Oficial de Justiça se dirigir à residência do proprietário da reclamada e proceder à entrega do bem ao arrematante.

Chegando lá, entretanto...

II

Ao chegar à casa do proprietário, o Oficial de Justiça obteve deste a seguinte informação: que o bem em questão (assim como a maior parte dos móveis e utensílios de sua moradia) havia se mudado para a cidade de Guarapari, no Estado do Espírito Santo, juntamente com sua ex-esposa e seu filho de onze anos, único e legítimo proprietário do referido jogo eletrônico.

E que isto ocorrera devido ao fato de que ele e a mulher haviam se separado no mês anterior. Como consequência, a mulher alugara um caminhão e levara consigo praticamente todos os bens que guarneciam a casa, inclusive o referido video game.

Então – e em resposta ao Mandado de Entrega de Bens expedido pela Vara do Trabalho de... - o Oficial de Justiça remetera ao Juízo a seguinte certidão explicativa dos fatos:

Certidão

Certifico e dou fé que, em cumprimento ao r. mandado, dirigi-me à Rua X, no. 340, bairro Cachoeirinha, juntamente com o arrematante, Sr. Pero Vaz de Caminha, quando obtive a informação do Sr. Pedro Álvares Cabral, proprietário da empresa, de que o seu filho de onze anos mudara-se com a mãe para a cidade de Guarapari, Espírito Santo, tendo o supracitado pré-adolescente levado consigo o referido bem. Isto posto, submeto os fatos à consideração superior, aguardando novas determinações. Sicrano de Tal, Oficial de Justiça Avaliador. Belo Horizonte, 20 de abril de 2011.

III

Ouso supor que no presente caso o adolescente estivesse apenas exercendo o seu legítimo, inalienável e imprescritível direito de usufruir do seu brinquedo eletrônico. Tal direito – imagino eu – seria igualmente intransmissível (excetuando-se as vezes em que o proprietário do jogo transfere o manete para as mãos do colega ou amigo que vai jogar na vez seguinte), indisponível, irrenunciável e inexpropriável (nesse último caso nem o Estado se acharia com direito de separar o brinquedo da criança).

Afinal, o 4º. Princípio da Declaração dos Direitos da Criança afirma algo que poderia ser facilmente usado pelo jovem em sua defesa:

A criança tem direito a crescer e criar-se com saúde, alimentação, habitação, recreação e assistência médica adequadas, e à mãe devem ser proporcionados cuidados e proteção especiais, incluindo cuidados médicos antes e depois do parto.

Para terminar, registrarei uns versos que o meu velho pai muitas vezes repetia no final de suas histórias e brincadeiras infantis:

Entrou no bico do pinto,

Saiu do bico do pato:

Quem escutou esta

Conta quatro...