O Caso das Mensagens Espirituais

I

Vou lhes contar um caso curioso que aconteceu comigo no tempo em que eu trabalhei no cumprimento dos despachos e das determinações dos Juízes.

Devo comentar primeiramente que aonde quer que eu exerça as minhas atividades no Tribunal, sempre procuro cumpri-las da maneira mais eficiente e responsável possível. Sou do tempo em que o “cliente tem razão” e por isso normalmente coloco o atendimento de partes e procuradores acima de qualquer de minhas razões, sejam elas de ordem emocional ou intelectual.

Algumas normas eu mantenho comigo desde o primeiro dia em que ingressei na Justiça do Trabalho. Quando comecei a trabalhar no balcão da então 5ª. Junta de Conciliação e Julgamento de Belo Horizonte, naquele distante dia 30 de dezembro de 1996, eu ja acreditava na excelência do nosso trabalho, na possibilidade da sua constante qualificação e no aprendizado resultante do contato com as pessoas no balcão de atendimento ou fora dele.

No balcão, por exemplo, sempre procuro atender aos clientes – advogados, peritos, reclamantes e reclamados – da forma mais prestativa possível. Tento juntar a rapidez à qualidade do atendimento. Na época em que entrei no Tribunal, por exemplo, não tínhamos os guichês que atualmente emitem senhas de chegada. No entanto - e que eu me lembre – não ocorriam discussões ou desavenças entre os atendidos como às vezes ocorrem nos dias de hoje.

Meus objetivos no balcão são o de ser o mais ágil possível no atendimento, sem que isso prejudique a qualidade e o contato humano. Por isso procuro sempre explicar da forma mais clara possível sobre os processos e seus andamentos, principalmente naqueles casos em que o atendido é o próprio reclamante que muitas vezes dá entrada sozinho no processo, utilizando-se do seu direito de Jus Postulandi.

Alguns anos depois fui trabalhar na 3ª. Vara do Trabalho de Belo Horizonte. Lembro-me que durante o tempo em que atendi nesta Secretaria, deixava sobre o balcão de atendimento uma cesta na qual eu colocava semanalmente mensagens espirituais e filosóficas impressas em papel dobrado.

Não eram poucos os advogados que todos os dias passavam pela minha Secretaria exclusivamente no objetivo de abrir uma daquelas mensagens e se distrair durante alguns minutos do estressante trabalho jurídico. Naquela época o meu balcão se assemelhava a um oásis plantado no centro do deserto da atividade jurídica.

E não era só isso. A maior parte das pessoas – estagiários, advogados, peritos e partes – que eu atendia, passava para buscar os seus “papelotes” recheados com mensagens de otimismo e fé. Eu optara por mensagens de pessoas que mudaram os rumos e os significados do mundo e da vida, de grandes autores e autoras da filosofia e da literatura brasileira e universal, tais como: São Francisco de Assis, Lygia Fagundes Telles, Sigmund Freud, Clarice Lispector, Carlos Drummond de Andrade, Madre Teresa de Calcutá, Mário Quintana, Martin Luter King, Simone de Beauvoir, Albert Einstein, Albert Camus, Platão, Sócrates, Aristóteles e mil outros nomes.

Meu balcão se tornou então um lugar onde - além do atendimento diário relativo aos processos trabalhistas e suas artimanhas – as pessoas podiam encontrar um diálogo franco e interessante sobre as muits faces e nuances da vida.

II

No entanto, essa idéia de colocar mensagens em uma cesta sobre o balcão de atendimento havia em verdade surgido um pouco antes, na época em que eu trabalhava no cumprimento das determinações dos juízes.

Após observar que as intimações remetidas às partes apresentavam a parte de baixo vazia e completamente inútil, comecei a pensar no que poderia fazer à respeito.

Logo me surgiu uma idéia: eu iria preencher aquele espaço com mensagens. Mas não deveria ser qualquer tipo de mensagem, mas principalmente aquelas relacionadas de alguma forma com as idéias de justiça, conciliação, fraternidade entre as partes e possibilidades de acordo e amizade acima das meras relações trabalhistas ou de produção.

Nesse sentido, passei a remeter citações no rodapé das intimações que fazia. Nessa época eu ainda trabalhava na 5ª. Vara do Trabalho de Belo Horizonte.

Vão abaixo, como exemplo, algumas delas:

A mente que se abre a uma nova idéia jamais voltará ao seu tamanho original - Albert Einstein

Se eu soubesse que o mundo se desintegraria amanhã, ainda assim plantaria a minha macieira. O que me assusta não é a violência de poucos, mas a omissão de muitos. Temos aprendido a voar como os pássaros, a nadar como os peixes, mas não aprendemos a sensível arte de viver como irmãos - Martin Luther King

A condição essencial para a felicidade é ser humano e dedicado ao trabalho - Tolstoi

Escolhe um trabalho de que gostes, e não terás que trabalhar nem um dia na tua vida - Confúcio

III

Pois bem. Certo dia eu me encontrava no interior da Secretaria cumprindo os despachos quando o colega atendente me informou que um cliente pedia para falar comigo no balcão.

Perguntei-lhe quem era, mas ele apenas soube dizer que era o proprietário de uma empresa ou, como se diz na específica linguagem trabalhista, um reclamado.

Ao me aproximar do sujeito, ele se apresentou e colocou em minhas mãos uma das minhas intimações. Perguntou se fora eu quem lhe enviara aquela carta.

Assim que pus os olhos na intimação, vi que aquele era de fato o caso. No rodapé da notificação se encontrava impressa a seguinte mensagem:

Cada dia é o dia do julgamento, e nós, com nossos atos e nossas palavras, com nosso silêncio e nossa voz, vamos escrevendo continuamente o livro da vida. A luz veio ao mundo e cada um de nós deve decidir se quer caminhar na luz do altruísmo construtivo ou nas trevas do egoísmo. Portanto, a mais urgente pergunta a ser feita nesta vida é: o que fiz hoje pelos outros? - Martin Luther King

Então – e para a minha surpresa! – o homem me revelou que ao ler aquela citação ele sentira algo estranho em si; que aquelas palavras lhe haviam tocado o peito e que o sentido delas lhe levara imediatamente a efetuar o pagamento de toda a dívida que tinha para com o seu antigo empregado e atual reclamante nos autos daquele processo.

Ele agradeceu a mensagem enviada e disse estar satisfeitíssimo por ter conhecido a pessoa que tivera a esplêndida idéia de enviar mensagens nas intimações judiciais. Dissera, finalmente, que há muito já possuía o dinheiro necessário para quitar o processo, mas que não o fizera até aquele momento devido a um sentimento negativo que o abandonara no exato momento em que lera aquela intrigante mensagem.

IV

Entre as citações aqui expostas e remetidas através de algumas dezenas de intimações, gostaria de finalizar esse caso deixando-lhes mais uma mensagem.

Esta - bastante especial, aliás - surge da pena do poeta Fernando Pessoa e de seu admirável “companheiro” heteronímico, o poeta místico Ricardo Reis:

Para ser grande, sê inteiro: nada

Teu exagera ou exclui.

Sê todo em cada coisa. Põe quanto és

No mínimo que fazes.

Assim em cada lago a lua toda

Brilha, porque alta vive.