Portupira

Naqueles tempos em que os homens ainda usavam camisa xadrez e calça amarelada de brim, Gumercino logo que completou dezoito anos mudou-se para o Rio de Janeiro, lá formou e casou, mas logo ficou viúvo no primeiro parto de sua mulher. Com um filho para criar logo, logo conheceu Tereza, também viúva com uma filha adolescente; em pouco tempo se conheceram e se casaram.

Tereza já ansiosa para conhecer sua sogra Dona Eufrásia que morava lá no interiorsão de Minas Gerais, pois Gumercino disse que Dona Eufrásia era uma senhora muito extrovertida e uma hábil contadora de estórias. Noemí a adolescente filha de Tereza uma cosmopolita do Rio de Janeiro da “belle epoque”, avançada nos estudos sempre freqüente as bibliotecas estudava línguas, freqüente as boas peças de teatro com sonhos e metas a seguir.

Noemí aguardava ansiosa suas férias para o passeio dos sonhos, pois queria andar a cavalo e ouvir as estórias de Dona Eufrásia. Pronto chegou as tão sonhadas férias, do Rio de Janeiro a Belo Horizonte tudo normal, mas de Belo Horizonte para Boqueirão, jardineira bicudinha bagageiro em cima. Chegando a Boqueirão os cavalos já os aguardavam, Noemí vislumbrada com o novo, no longo percurso a cavalo de boqueirão a grotadas no balanço dos arreios.

Já era de tarde e Noemí sentiu fome, mas primeiro banhar. Dona Eufrásia logo providenciou o banho, quando Noemí entrou no quarto teve que encarar um banho na grande bacia. Quando ela saiu Dona Eufrásia disse: amanhã vai ser melhor à tarde o banho é no rio. No jantar carne de porco enlatada curtida na manteiga na lata grande de banha. Noemí comeu muito e ficou com sede, Dona Eufrásia disse: Tita traga água pra ela, você quer água da talha ou do pote? Qual a diferença? É que a água do pote é mais fria.

Dona Eufrásia disse: Tita você nem amassou este cabelo hoje, seu cabelo está todo esgandaiado, este cabelo de gafurina, com este vistido todo espandogado está parecendo mais com uma tiroleza e abriu seu baú. Esta semana um homem lá de riba afogou no rio e sumiu, tudo que cai no rio ele pega e leva para sua loca de pedra.

Noemí se adiantou mamãe eu não vou tomar banho no rio. Dona Eufrásia havia contado a estória do caboclo d’agua, um homem peludo. De manhã Noemí foi acordada pela conversação, pois foi dormir sem prestar muita atenção a alguns detalhes, pois estava muito cansada, dormirá de um lado só.

Dona Eufrásia disse: Tita arriba esta gamela de quitanda e põe inriba da mesa. Sua laraia que jeito isturde de arribar os trem, discurpi madinha foi a leréia desta gata que lembeu eu. Assentada na fornaia Eufrásia que limpava seu persinês disse: liga não minha neta vosmicê está achando tudo muito isturde, mas nois semos assim mesmo e deu aquele sorriso maravilhoso.

Logo que Tereza aparece na cozinha Noemí disse: mamãe gostei muito do “portupira” são palavras novas para mim, bonitas, mas eu não sei o que significa eu não trouxe o meu dicionário. Mas o que é “portupira”? Ora mamãe é o português caipira. Sorriso de ambos os lados.

Tereza pergunta para sua sogra o empório fica aqui perto? Preciso comprar algumas coisas. A sogra disse: aqui não tem estes móvis. Gumercino entra na conversa e disse: a venda de Onorato não fica muito longe. Eufrásia fizemos o tirijum, mais tarde vou fazer um munguzá. Mas Tita não é filha da senhora? Não! Ela é filha de um agregado da fazenda. Abelardo chegou trazendo o cavalo manso para o passeio de Noemí, mas o animal começou a ficar isturde e a fazer um esborde este estrupício nunca foi assim ele não quer deixar eu colocar os bacheiros, forro do arreio, ladiou, ladiou mas cedeu.

Ah! Ele está rifugando é com as roupas coloridas. Este escarrelado me paga. Mas a moça está toda esbranquiçada se achega pra eu ajudar vosmicê. Abarque o animal, não deixe ele espatifar estes pintinhos, pois ponhá as galinhas chocar em tempo de trovoada os ovos goira, me aventurei e a maioria dos ovos goirô.

Tita sua sirigaita você está de licuticha com os meninos se achegue um muncadiquinho. Madinha, Orozimbo hoje não veio comer. Sua inchirida ocê não viu? Onte foi lua cheia e ele deve estar empavezado e com inhoca, Seu Arismeu disse que em noite de lua cheia ele vira libisome, ataca os galinheiros e no outro dia ele fica com os dente a pura pena de galinha, cruz credo Deus me perdoe. Tereza intervém onde mora Sr. Orozimbo, fiquei curiosa quero conhecê-lo.

Olha lá naquele grotão aquela casa de taipa coberta de sapé com a metade caída eu não sei como aquela choça ainda não caiu inrriba dele. Homi isturde, não sabemos quando chegou aqui, nem de onde veio, não trabalha, pouco fala e quando fala ninguém intende, armou um temporal com relâmpagos e trovões, Eufrásia! Hoje só falta aparecer a mula sem cabeça com seu fogaréu. Noemí atônita com aquilo tudo foi surpreendida pelo grito de Tita. Olha madinha, olha ela lá madinha, levem, levem, pia madinha, pia madinha, a mula-sem-cabeça, não! Não! Foi um raio que correu inrriba da cerca de arame.

Olha madinha, pia, pia lá, o fogaréu na cabeça dela! Tita! Tita! Cê num tem cabedal pra dizê isso sua regatera. No outro dia quando Tereza aparece na cozinha Noemí já estava sentada na fornaia tomando seu tirijum numa animada conversa com Dona Eufrásia. Ela disse: mamãe cheguei aqui apenas cosmopolita! Aprendi o “portupira” e no meu retorno quando chegar no Rio de Janeiro já sou uma “cosmupira”! Interroga Tereza? E o que é isto minha filha? Uma “cosmopolita caipira”.