Ela sem ele

"Precisamos conversar".

Foi isso que ele disse pra ela antes de desligar o telefone, numa madrugada de sábado.

"Fala agora, lindo".

"Não, não. Por telefone não dá pra falar o que eu quero. Amanhã a gente conversa".

Ele falou essas palavras com uma seriedade súbita, sombria, serena. Ela sentiu o sangue gelar dentro das veias, o coração deu um salto dentro do peito, como se quisesse chamar a atenção.

Desligaram.

Ela ficou imóvel, gelada. Ele falou aquelas palavras, tão temidas palavras, em um tom desconhecido.

Foi um 'precisamos-conversar' misterioso. Mais do que isso, foi inquisidor.

Arrependeu-se. Semana passada não devia ter brigado por tão pouco. Ontem mesmo ela havia dito desaforos inúteis a ele.

Não fazia nem um mês que eles se conheceram, e ela já havia implicado com tantas coisas bobas...

Nossa... Será que ela era sempre tão escandalosa por tão pouco?

E ele sempre tão calmo, tão paciente, com seu ar de querubim arrependido.

Ela havia reparado que ele estava diferente na conversa por telefone de pouco tempo atrás. É, ele estava.

Mais quieto que de costume.

Ela tagarelou sem parar, e nem teve a sensibilidade de perguntar o que ele tinha.

Insensível.

Abraçou seu travesseiro, sentiu-se só. Nó na garganta.

Não queria que acabasse! Não podia terminar!

Ela quase pôde sentir o olhar dele de desprezo e indiferença diante dela.

Era tudo tão bonito quando estavam juntos! E eles estavam só se conhecendo... Ela ainda queria saber tanto sobre ele!

Se acabasse seria tudo culpa dela. Toda dela! Por que ela tinha sempre que ser assim?

"Por telefone não dá". Palavras cruéis!

Perdeu-se em seus pensamentos tristes, até que o sono venceu. Um segundo antes de dormir pensou que ele era um injusto, e não tinha dado nenhuma chance dela desculpar-se.

Encontraram-se no dia seguinte.

Ela avistou ele de longe. Estavam no parque. Ele e sua bicicleta, ela e seu nó.

Vontade de gritar, de correr.

É, ela ia fugir. Não queria ouvir o que ele tinha a dizer. As palavras machucam, sabe?

Mas não foi isso que ela fez.

Continuou andando em direção a ele, um sorriso estranho nos lábios e um incêndio triste por trás deles.

Comprimentaram-se. Os olhos dele buscavam alguma coisa nela.

Ela lembrou-se dos olhos indiferentes que ele lançara pra ela ontem, após o telefonema. Sentiu o peso do mundo nas costas.

Voz cambaleante.

"Ontem você me falou que queria dizer alguma coisa, lembra?"

"Lembro sim."

"O que é?"

"Eu pensei muito e... hãn..."

Ele respirou fundo. Ela encolheu-se de medo, como se esperasse por um tiro no peito. Ele continuou.

"Não sei bem a melhor forma de falar o que eu vou falar... Não sei direito como começar...É meio difícil... Acho que é melhor eu ser direto, você sabe que não sou bom em rodeios".

Os olhos avermelharam-se e lágrimas quentes ficaram à beira do precipício de suas pálpebras. Ele, fixo nela:

"Eu queria dizer que te amo."

Lágrimas despencaram.

Alessandra Martins
Enviado por Alessandra Martins em 25/11/2006
Reeditado em 25/11/2006
Código do texto: T300583
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