UM CAUSO ESQUECIDO DE MEU CACHORRO PERI

Dia desses, em pleno mês de junho, deu uma tempestade e a luz se foi de minha bucólica vida. Sem o que fazer, sozinho de verdade porque o computador virou meu amigo do peito, agarrei-me a uma folha de papel.

Como tudo na vida é costume, tive a maior dificuldade em me adaptar. Parecia que minha mente tinha ficado travada; procurava um assunto e tudo parecia uma escuridão só como que se aquela vela fosse invisível. Fechei os olhos para completar a escuridão, escutei um cachorro latindo ao longe e o Peri voltou a minha mente.

Para quem acompanha meus causos no Recanto sabe das histórias de meu cachorro Peri. Só que, mesmo depois de fazer um pequeno livro sobre nossa convivência, apareceu um vizinho me avisando que esqueci de uma das melhores histórias que ele mesmo, o vizinho, foi testemunha.

Sempre tentei dar e tirar tudo do Peri. Éramos na minha infância, um complemento mútuo porque era sozinho no meio do mato e meu cachorro também não tinha companheiros porque meu pai preferia dar o fubá moído no “munho” para capados que nem se levantavam mais de tão gordos. Ficávamos por conta da vadiagem porque todo mundo tinha muito o que fazer. Conseqüentemente, ensinei tudo que um cachorro pode aprender dentro de seus limites.

E um dos ensinamentos era me tomar um pedaço de pau quando eu fingia ameaçá-lo. Tomava-me o pedaço de pau, me devolvia; jogava o dito no poço, ele ia nadando, voltava e me devolvia... Era nosso brinquedo predileto. E olha que nunca ganhou um pedaço de carne por fazer o que mandava; no máximo, no máximo mesmo ganhava um carinho na testa e nas orelhas, tão judiadas...

Quando mudei para capital atrás de emprego e conhecimento, essa brincadeira virou caso de polícia. Acho que os compadres vão contar essa história de uma forma mais divertida.

- Mais onde nóis tava memo cumpade?

- Cê que quiria falá do Peri de novo e falei que num guentava mais.

- Mas essa história cê num cunhece, sô!

- ...

- Cê lembra de te falá que ensinei o Peri tomar o pau de minha mão, num lembra?

- Pára quesses assunto de pau cumpade!

- Esse pau que tô falano num é o que cê tá pensano não sô!

- Antão vá...

- Teve um dia que meu pai foi levá o leite lá pro leiteiro e quando tava vortano apareceu o coroné Bastião chamando ele pra tomá umas cachaça lá na venda do finado Cueca...

- O home é vivo ainda cumpade!

- Mas vai sê duro sô! Aquele lá bebe desde que nasceu!

- ...

- Mais antão meu pai amarrô a égua cas lata de leite no moirão da cerca e mandô o Peri vigiá proque sabia de uma molecada que passava vino da escola. Dispois de tempo, apareceu a molecada; tudo moleque grande e viram a égua dano bobeira...

- Cumpade, cumpade! Cuidado com preconceito!

- Né possiver cumpade que vai sê preconceito falá que a égua da égua tava dano sopa?

- Sei mais nada não.

- Mais antão, a molecada invocô ca égua e o Peri num dexava chegá. Quando um mais véio, mininão memo, pegô um moirão e foi pra cima do Peri, ficou sem o pau.

- O Peri mordeu ele?

- Tomou o pau da mão do infeliz e correu atrás inté ele chegá in casa.

- Eta Peri. Tinha vontade de tê te cunhecido moleque cumpade, só pra tê o gostinho de te trucá...

- Cabô não cumpade. Na casa desse mininão tinha uma cachorra no cio.

- Meu Deus...

- O Peri voltou para vigiar a égua até meu pai aparecer...

- Vai falá...

- Isso memo. Foi lá pra casa do meninão e cumeçô a namorá a cachorra dês.

- Mais essa casa num tinha macho não?

- Tinha cumpade. O pai desse mininão era aquele Gaspar antigo, lembra?

- Aquele que cê fala que morô trinta ano num lugá e só prantô um pé de bananeira, né?

- Esse memo. Mais antão o velho Gaspar vendo seu filho trancado dentro de casa e morrendo de medo do Peri, resorveu tomá um atitude.

- E qualé que foi?

- Primero istumô o cachorro dele no Peri, mas o coitado apanhô tanto que pulô a janela pra dento de casa, dispois dizem as más línguas que a muié desse Gaspar cumeçô chamá ele de fracote proque tavam trancados dento de casa veno pela greta da janela o Peri se divertino... Mais o Gaspar não quiria matá o Peri proque cunhecia meu pai, mais dispois de tanta pressão...

- Ta me dexano afrito de novo cumpade!

- Diz que o velho Gaspar saiu pro terreiro caqueas ispingarda de inxê pela boca e foi atrais do Peri. Me disse o Zé dos Bastiana, que tava chegano na hora; que o Peri tava lá cheio dos aconchego ca cachorra e o velho Gaspar apareceu ca ispingarda...

- Caba logo quisso cumpade!

- Antão. Diz que o Gaspar chegô perto dele e quando mirou...

- ...

- Pum. O tiro faiô e o Peri tomô a ispingarda dele.

- Larga de sê mintiroso cumpade!

- Tem tistimunho cumpade. Inté meu falecido pai me contava que ficô cum vergonha do velho Gaspar no dia que foi devorver a cartuchera!

- Vai falá...

- O Peri levô a ispingarda inté lá in casa e entregô nas mão de meu pai...

- ...

JOSÉ EDUARDO ANTUNES

Zeduardo
Enviado por Zeduardo em 17/06/2011
Código do texto: T3041658
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