EU QUERO COMER DOIS

A catalepsia é uma doença que deixa o paciente em enrijecimento cadavérico por algumas horas. Dizem que o ator Sérgio Cardoso, famoso nos anos 60, foi sepultado vivo, vítima deste misterioso mal. No noticiário internacional ficamos sabendo que a atriz mexicana Maria Montez, também teria sido sepultada viva devido ao ataque cataléptico.

Como se sabe, a saúde no Brasil é de calamidade pública desde os tempos de Cabral. Imaginemos a saúde, ou melhor, a doença nos rincões mineiro nos anos 40 e 50. Num longínquo torrão de Minas havia um homem portador desta enfermidade. Claro, esse homem pobre não sabia que tinha tão misteriosa doença. Só sabia que sua saúde era frágil. Sofria tonturas e rápidas convulsões. Sua esposa, sabendo de sua perrenguesa, vivia controlando sua alimentação, o que o deixava fulo da vida.

Numa noite o homem pediu à esposa para preparar um prato de feijão com farinha e dois ovos fritos. A esposa ponderou que dois ovos não iriam fazer-lhe bem e que um ovo seria o bastante, mas o marido insistiu: “Eu quero comer dois!”. A esposa retrucou: “Você vai comer um!” A discussão continuou acalorada, o homem ficou nervoso demais e pela primeira vez veio aquele ataque cataléptico. Caiu durinho, aparentemente mortinho da silva. Choros e lamúrias tomaram conta da família naquele momento.

Havia na região um rapaz paraplégico. Tinha o apelido de Aleijadinho, um adjetivo que a comunidade considerava carinhoso, inclusive o portador aceitava com naturalidade. Aleijadinho era um eficiente rezador de terço. Era muito solicitado em novenas, aniversários e velórios. Mas como tinha dificuldades de locomoção, os interessados buscavam-no em charretes e cavalos selados. Com toda atenção e carinho, buscaram o devoto rezador, para velar com suas orações, o “morto”.

O corpo, colocado num banco e coberto com lençol branco. O Aleijadinho puxou os cânticos religiosos, acompanhados pelos presentes em número relativamente grande, pois o falecido desfrutava de bom prestígio com a vizinhança. Cânticos, rezas e lágrimas na comoção dos familiares e amigos. Era o quadro daquele momento. Ao passar da meia-noite o lençol e velas foram caindo por todos os lados. Era o homem voltando do ataque cataléptico. Levantou-se, arregalou os olhos e com palidez cutânea, dedo em riste gritou furioso: “Eu quero comer dois!”. Foi um corre-corre danado. Mulheres e crianças gritando. Naquela confusão esqueceram-se do Aleijadinho. Quando deram por falta, começaram a procurá-lo por toda parte e nada. Como última esperança foram à sua casa. Chegando lá um procurante gritou: “O Aleijadinho chegou por aí?”. Lá de dentro ele respondeu: “Ele vai comer o capeta!”. Todos ficaram perplexos...Aleijadinho, apesar da dificuldade de andar, foi o primeiro a chegar em casa.

Sô Lalá
Enviado por Sô Lalá em 18/06/2011
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