assombração

Apenas com dez anos de idade, para ajudar com as despesas de casa, Ditinho arrumou uma vaga de ajudante de refeitório na legião dos soldados de infantaria de Pindamonhangaba. Pela manhã, bem cedinho, ia pra escola, mais tarde passava em casa para almoçar, dava um beijo na mãe e por um atalho seguia para a legião.

Lá ele servia o almoço dos legionários e depois recolhia os pratos e limpava o salão. Depois de tudo arrumado ia para casa a uns dez minutos de caminhada dali.

Todo os dias mais ou menos às cinco da tarde, pouco antes de escurecer, Ditinho já tinha terminado seus afazeres. Cansados pensava em desistir, mas sua ajuda era importante demais para um canseira fazê-lo desistir.

O caminho de volta normalmente era sempre o mesmo, porém, quando por algum motivo trabalhava até mais tarde e a noite caia, era melhor procurar outro caminho, pois corriqueiro não tinha iluminação.

Ditinho então usava outro caminho chamado “da Igreja” e apesar da pouca iluminação, conseguia se guiar pela luz dos candeeiros a gás. Só que por esse caminho tinha um inconveniente, a passagem pelo cemitério.

Até hoje aquele campo-santo protagoniza estórias de almas penadas, velhas com cabeça de chaleira, ventos enigmáticos e rangidos de portas, imagine então naquela época.

Ditinho passava por ali como muitos outros da cidade, apavorado. Ainda mais por sempre estar atualizado dos causos arrepiantes que por lá aconteciam. Evidente que sempre havia uma explicação lógica para os fatos.

Não era raro, a rapaziada da cidade pequena, sem ter o que fazer, se colocar em lugares estratégicos, atrás das moitas ou do muro, aguardando andantes que utilizavam o caminho para apavorá-los e assim proliferar os contadores de estórias de assombração.

Pois então, um desses dias Ditinho saiu do quartel e as estrelas já surgiam e bem no dia em que ouviu falar que na noite passada havia sido vista e ouvida uma mulher vestida de noiva, lamentar e chorar, os transeuntes percebendo a que a moça precisava de ajuda se aproximaram dela e viram que a noiva era uma caveira horripilante.

Não teve como evitar o caminho da Igreja. Normalmente subia rezando pra São Benedito, mas dessa vez apelou até pra Nossa Senhora Aparecida, interferir e ajudar São Benedito a protegê-lo.

Quando começou a subir a rua uma garoa fina começou a cair e embaçar sua já arregalada visão, o coraçãozinho do menino parecia batedeira, tremia todo... tadinho!

Ao passar pela porta do cemitério, surgiu inesperadamente uma mulher muito branca, bem alta e magra.

Mas assombração que nada! Era somente um engraçadinho fantasiado pra assustar o inocente, e conseguiu. Ditinho gelou, a moça de rosto pálido então disse com uma voz bem pausada...

“Olá menininho simpático... Aonde você vai nesta escuridão”.

Ditinho não acreditava que aquilo existia! E além do mais falava! Apavorado respondeu com a voz quase inaudível...

“Vou pra casa dona, é logo ali na frente”.

Curiosa a tal moça vestida de branco perguntou...

“Um menino tão pequeno não tem medo de andar sozinho a esta hora?”.

Ditinho ainda em transe sem titubear soltou ainda com a voz falhando uma de suas mirabolantes respostas sempre imprevisíveis...

“Dona, se eu fosse desse mundo carnal... Eu até poderia ficar com medo da senhora, se é que a dona me entende né”.

Foi então que quem gelou foi a magrela vestida de branco, pasmada começou a se afastar do menino aumentando a velocidade desaparecendo na escuridão.

O fato no outro dia virou um belo causo. O causo do menino fantasma. Quem contava era o próprio rapazinho que se vestiu de mulher para assustar as pessoas. Naquele dia chegou todo estropiado por causa da carreira que deu conseguindo chegar em casa após alguns tropicões que levou pelo caminho escuro e esburacado.

O engraçadinho que pregava sustos nas pessoas usando roupas e pó de arroz de sua mãe, ia lá pros lados do cemitério para assustar almas inocentes, era o Zé Pinto, que depois desse dia passou a acreditar em assombração, e transformou o fato em um conto de fantasma que passou a fazer parte das prosas da região.

Zé Pinto, o tal que se vestia de mulher, chegou até a contar para o Ditinho e sua turma...

“Um fantasma disfarçado de menino me perseguiu desde o cemitério até a minha casa, ele queria me levar pro além”.

Ditinho então perguntou...

“Como você sabe que ele queria te levar para o além?”.

E o cara de pau respondeu...

“O fantasma disse que queria levar minha alma, mas eu empurrei a assombração que me seguiu dizendo... Eu vouuuuu te levaaaaaaaaar pro aléeeeeeeeeeeeeeem”.