Amor Fraternal

De todo era pessimista, mas nunca negou o amor fraternal que havia em seu coração, porque dizia para todos que jamais faria seus pais sofrerem por causa dele. O seu próprio filho, em seu ponto de vista, era um azar do destino, porque nunca fora um pai excepcional como os pais que levam seus filhos a parques, passeios e lazeres de diversos tipos, que mostram suas crianças com orgulho para os amigos. Geraldo era do tipo melancólico que se achava incompreendido por todos ao seu redor, mas não era mal humorado.

Inteligente, sabia resolver os problemas dos amigos, mas quando o assunto era ele, tudo se complicava. Às vezes demonstrava-se violento no modo de expressar alguma idéia. Com o decorrer dos dias as pessoas logo percebiam como era sua personalidade; com os anos percebiam como realmente era a sua personalidade. Muitas não aceitavam e muitas se afastavam. Aquilo o machucava e ele não sabia o que fazer para melhorar nesse sentido.

Sua mulher, Fabíola, era do tipo contida, pensativa e que só agia depois de muito meditar.

- Eu tenho medo de você! Ela disse certa feita.

- Por quê? Quis saber.

- Você é louco.

- Louco por quê? Sou muito paciente você quer saber! Justificou-se.

- É por isso que eu tenho medo. Às vezes você deixa algumas brechas, entende?... Sei lá... Dá uma impressão que você é psicopata.

Geraldo não gostava daquele tipo de afirmação que Fabíola fazia. Ficava procurando alguma justificativa para aquilo, mas não encontrava nenhuma. Passava horas e horas a fio pensando e nunca chegava à conclusão nenhuma.

O casal que se dava muito era bem visto por todos. Nunca ninguém iria imaginar que Fabíola resolveria, assim de repente, romper. E como todo o rompimento, Geraldo sofreu muito. Era um momento difícil em sua vida. Logo ele que sempre estivera apoiando a mulher em momentos pregressos complexos e complicados, logo ele? Que coisa! Estava sendo deixado, por um mero “não gosto mais de você”. O homem não consegue admitir uma perda assim tão facilmente e não foi diferente com ele, que sabia que ela nunca mais voltaria.

Na casa vazia, desempregado, muitas vezes chorava. Estar ocioso não é uma coisa muito boa, Fabíola pensava ao se lembrar dos tempos ociosos em que matutava um plano para se separar. Agora que estava em um emprego que lhe proporcionava alegria, pelo fato de fazer o que gostava e que poderia conhecer pessoas novas ao mesmo tempo não iria pensar na desgraça do ex-companheiro de jeito nenhum. Sabia que seu ex-marido tinha ciúme, mas nunca haviam brigado por esse motivo. Ela, mesmo com medo, permitia que Júlio passasse o fim de semana com o pai. Afinal pai é pai.

- Você fica com o Júlio aqui, enquanto aquela putinha vai sair com outro macho nos forrós da vida. É por isso que eu não quero que você fique pegando seu filho todo fim de semana. Você é novo ainda, tem uma vida pela frente e ainda tem muita mulher descente no mundo que lhe quer muito bem, viu! A mãe de Geraldo o envenenava.

Ele não queria pensar nas presepadas da ex-mulher, queria curtir Júlio. Era seu primogênito e único filho. Mesmo não tendo um instinto paternal, depois de cinco anos de convivência, não havia como não se apegar ao próprio sangue. O amava demais, mas também não queria ficar implorando por seu amor. Quando Júlio queria voltar, dizendo que estava com saudade da mãe, mesmo com aquele pesar e sentimento de rejeição, Geraldo não media esforços e o levava embora. Às vezes tentava algum argumento, mas, sabendo que o filho não “o queria mais”, deixava-o partir e a cada partida era uma estacada que sentia no peito.

Por outro lado Fabíola se divertia com as novas amizades e com novos amantes mesmo sabendo que aquilo era uma válvula de escape para seus problemas e sentimentos que se misturavam entre amor, rancor, raiva, pena, ódio, saudade, solidão, carência e falta por causa da separação e anos de convivência. A amizade que havia tido com o ex-marido fora muito boa. Tanto que duvidava encontrar outra amizade igual.

- Eu sinto muita tristeza quando você diz que eu sou capaz de cometer uma loucura para lhe machucar, sabia? Geraldo lhe disse certo dia com a voz embargada, abraçando o filho com ternura.

Fabíola ficou comovida, mas não deu o braço a torcer.

Mas, certo dia chegou à casa de Geraldo um papel do juiz que dizia que ele deveria pagar a pensão até mês tal. Ele, desempregado, endividado... Desesperou-se de tal maneira que recebeu aquilo como uma afronta da ex-mulher, porque ela sabia de sua situação. Logo ele que fora paciente, amigo e companheiro; logo ele que dera seu ombro para que ela chorasse muitas vezes, agüentando aquela plangência mórbida de quem não tem pai, amigos e nem bens materiais...

- Eu já tenho setenta anos meu filho; já cuidei de você e de seus irmãos. Por favor, não jogue esta bomba em cima de mim. Erivaldo, pai de Geraldo lhe dissera certa feita como que de aviso.

O papel do juiz era explícito e não havia como refutar.

Naquele fim de semana Geraldo pegou Júlio, olhou para Fabíola com os olhos marejados de lágrimas e disse:

- Não precisava ter feito isso.

Na segunda-feira, Fabíola chorava amargamente no Instituto Médico Legal ao ter a constatação que tanto lhe consumiu o peito durante anos, quando leu o bilhete deixado por seu ex-marido: não vou deixar você fazer o meu pai sofrer. Prefiro ver nosso filho morto, você e eu sofrendo. Perdão.

Cairo Pereira
Enviado por Cairo Pereira em 27/07/2011
Reeditado em 01/09/2011
Código do texto: T3122453
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