BOCA LIVRE

Cidade pequena! Quem nunca ouviu falar da vida dos outros? Falar mal também. E quem não quer dar carne pro gato, pisa em ovos. Não foi o que Mariana fez. Ela deu carne pro gato. Deveria ter dado peixe, o prato predileto do bichano. E pisar em ovos... bem, ela aproveitava era para saborear alguns, quando ia à casa de alguém.

Sempre chegava na hora do almoço. A pessoa ficava sem graça com a visita inesperada e acabava oferecendo o rango. Acho até que a “convidada” nem fazia comida em casa. Embora fosse boca livre, ela sempre dava um jeitinho de escolher o que comer. Querem ver? Não gostava de jiló. Um dia chegou à casa de uma amiga e jogou verde:

- Candinha, você que come mais legumes, fez jiló hoje, bem?

- Tá doida? Nem morta! Odeio jiló!

Era tudo o que Mariana queria ouvir. Deu graças a Deus. Também odiava, mas o pior é que não conseguiu fazer boca de siri (manter segredo).

- Eu também! Se for pra comer jiló, prefiro morrer de fome!

Candinha já estava de olho nela. A notícia já tinha se espalhado mesmo. E Mariana, como marido traído, ainda não sabia que já tinha caído na boca de Matilde. A vizinhança resolveu armar pra cima dela. Acabar com aquele venha a nós.

No dia seguinte, foi à casa de outra pessoa. Mal entrando, foi logo dizendo:

- Penha, tô sentindo um cheirinho de alho. Você coloca alho no feijão?

- Coloco! Adoro alho!

Foi sorte. Ela também gostava de alho. Mas passado algum tempo, armaram um plano que Mariana caiu como um patinho.

Chegando numa outra casa, logo de cara sentiu um cheiro de carne assada. Degustou mentalmente um pernil recheado, suculento e chegou a salivar. Alguns instantes depois, Filomena , a dona da casa, convidou:

- Mariana, vamos almoçar?

Lá se foi ela, pensando no pernil. Quando entrou na cozinha, o cheiro estava mais intenso. Ela sentiu até o calorzinho do forno, de tão perto que estava, e mais uma vez degustou mentalmente a carne saborosa e suculenta. Filomena abriu o forno ostensivamente. Olhou o assado ali dentro, demoradamente, fazendo cena, penetrando-o com a ponta de um garfo. Tornou a fechar o forno, contando:

- As professoras da minha escola vem jantar aqui hoje. Você acha que pernil assado pega bem?

- Bem demais! Hum... tô até sentindo o gostinho...

- Ah desculpe, querida, o pernil ainda não está pronto. Improvisei um almoço pra nós duas. Não tive tempo de fazer muita coisa, não repare! Vou caprichar é no jantar. Ainda tenho que elaborar uma prova, já viu? Professora... senta, amiga!

Ela sentou. Filomena se voltou para tirar da geladeira o almoço. Mariana arregalou os olhos gulosos quando viu. Era uma vasilha redonda com folhas de alface verdinha, fazendo um círculo. No centro, arroz, pedacinhos de abacaxi, presunto defumado e passas. Aparentemente uma deliciosa mistura.

- Mariana, pega prato pra nós duas aí no armário!

Ela pegou. Quando a professora começou a servir o arroz, ela percebeu que havia algo estranho no meio, bem picadinho. Um legume verdinho.

Sem dó, a professora encheu o prato da “convidada”. Quando Mariana começou a comer, as tripas reviraram. A coisa era amarga como fel. Era o tal do jiló que ela tanto odiava, disfarçado no meio dos outros ingredientes, mas o bastante para estragar o sabor de qualquer prato.

Não tenho certeza da quantidade ou o que ela comeu. Acho que ficou catando feito galinha. Agora, perguntem pra mim se ela parou com essa mania de aparecer na casa dos outros na hora do almoço? Te respondo que naquela casa, ela nunca mais botou os pés, mas nas outras... ah, sei lá!