Triste Fim de Ti Migué

Dia desses, quando caía uma chuvinha preguiçosa, estava eu batendo prosa com meu pai, dessas em que uma conversa vai puxando outra, nos lembramos do velho Ti Migué, que na verdade não era tio de ninguém e que também não se chamava Miguel, mas por não sei qual motivo era conhecido por esse apelido.

Na verdade o nome verdadeiro de Ti Migué eu nunca soube, nem tampouco sua origem. Sei apenas o que consigo me lembrar dos tempos de criança, Ti Migué era o bêbado do lugar, geralmente sua bebedeira começava no domingo de manhã e terminava no sábado a noite, era comum vê-lo deitado nas portas das vendas, na escadaria da igreja ou no velho coreto. Ainda me recordo de quando saímos da escola e muitos meninos (não nego que muitas vezes estava junto) iam atazanar o coitado do Ti Migué só para rir dos seus insultos e de seus tombos.

Apesar de nunca ter dinheiro ele sempre encontrava um jeito de satisfazer sua sede de pinga. Certa vez ele caiu em frente a nossa casa e machucou o joelho, minha avó, hoje falecida, era muito bondosa e com a nossa ajuda o recolheu para dentro de casa. Como Ti Migué reclamava muito de dores no joelho minha vó teve a ideia de passar um pouco de álcool com arruda em sua perna, mas Ti Migué não deixou, disse que bom mesmo era passar álcool puro, sem nenhuma erva. Tanto insistiu que minha avó acabou cedendo, porém ele não deixou que ela passasse, disse que iria doer e ele mesmo deveria faze-lô. Minha avó inocentemente entregou a garrafinha de álcool para ele que imediatamente, para o espanto de todos, tomou um bom gole de álcool puro!

Às vezes também Ti Migué conseguia que algum “amigo” lhe pagasse uma dose, ou duas, ou três... e por aí vai.

Na época das águas, sem ter onde ficar, Ti Migué ficava sentado tristonho na escada do coreto observando a chuva cair e cantando uma cançãozinha dessas de dar dó:

“Ei, ei, iê, ei, ei, iá...”

Às vezes perguntavam:

“Que tristeza é essa Ti Migué?”

E ele respondia:

“Eu tô cum saudadi de mamãe.”

E seu lamento era tão triste que parecia até que a chuva eram lágrimas caindo do céu.

Eu fui crescendo e vi Ti Migué poucas vezes, da última ele já estava de cabelos brancos e ainda não havia parado de beber. Depois disso passou-se muito tempo até que tive notícias dele novamente, e não foram boas.

Em uma noite de chuva encontraram Ti Migué caído na estrada com o rosto dentro de uma poça d’água, o pobre havia se afogado e morreu abandonado.

Muitos disseram que foi a bebida que o levou, que uma vida daquela só podia terminar assim. Mas olhando pra trás eu percebo que Ti Migué foi apenas mais uma vitima da depressão e da incompreensão. Provavelmente antes de morrer ele cantarolou sua melodia uma ultima vez e se afogou nas próprias lágrimas que vinham do céu.

E vez ou outra quando chove ainda é possível ouvir uma melodia ao longe: “ei, ei, iê, ei,ei, iá...”, e nessas horas meu coração deseja que a saudade tenha terminado e Ti Migué tenha finalmente reencontrado sua mãe.

Luciano Silva Vieira
Enviado por Luciano Silva Vieira em 10/08/2011
Reeditado em 10/08/2011
Código do texto: T3151530
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