Chico e Joana eram lavradores e haviam se casado há pouco tempo. Na época houve até falatório, pois, o povo  estranhou na primeira semana após o casório a Joana engordar daquele tanto...Soube-se depois que a moça estava de modas.

Na roça, a fazeção de pamonha,  de polvilho, torração de farinha  e matação de porco  eram acontecimentos que reuniam toda a vizinhança. Cada um era incumbido de uma tarefa. Essa história aconteceu num dia em que estavam todos reunidos para fazer pamonha.

Joana ralava o milho quando sentiu dores e chamou pela mãe.
—Mãe do céu, me acode!
—Cê ta sintino arguma coisa, minha fia?
—Uma dor munto forte na barriga...
—Num deve de sê nada não, inda num ta no tempo de aduecê não, num tem nem sete mêis cocê casô, uai!


A dor piorou e mandaram Chico, marido da Joana, até a casa da Vó Rufina, moradora ali pertinho, para que ela viesse ver Joana. Porém Chico voltou de mãos abanando.
—Cadê a parteira, Chico?—Indagou a sogra.
—Povo dela falô qui pa manhecê onti, ela foi atendê um chamado lá perto da Varge Bunita.
—Ela tinha pensando qui a Joana ia ganhá minino só no fim do mêis qui vem—Falou dona Elza.

A sogra intimou o Chico a pegar o cavalo e trazer a parteira de qualquer jeito, enquanto Joana se contorcia de dor e praguejava:
—Ahh, Chico, a curpa é tudo sua... Ocê mi paga danado... Vai drumi lá no paiol resto da vida....Aiiiii!

Chico correu três léguas a galope e logo estava em frente à casa onde se encontrava a parteira.
—Vó du céu, a Joana ta passano mar pa ganhá minino... Bamu dipressa pelamordedeus!
—Mais já? Minha Nos' Sinhora du Bom Parto... Vai nascê antes do tempo antão. Vô pega as minhas coisa, me diz cumé qui ocê vai mi levá?
—Uai, si a sinhora num si importá pode i na minha garupa, o cavalo guenta nóis dois...
—Ta doido, Chico? Na minha idade num ando mais de a cavalo não, e envém chuva, pede o cumpade Gerardo pa levá ieu de Jipe.

Atrapalhado e esbaforido Chico correu até a fazenda do compadre Geraldo, uma das poucas pessoas que tinha carro naquela época. Prontamente ele se dispôs a fazer o favor ao rapaz. Levaria a parteira até onde morava a família de Chico.

Sô Geraldo ligou o jipão Willis e saiu de toada quando a chuva já molhava a poeirenta e esburacada estradinha de terra.

Além de Vó Rufina, Sô Geraldo deu carona para muitas pessoas que iam a pé estrada afora. O jipe acabou ficando lotado. Chovia sem parar e o carro encravou por várias vezes no caminho. Os passageiros homens, desciam para tirar o jipe dos buracos. Sô Geraldo sempre recomendava que a vó não descesse, devido a sua idade e saúde frágil. Empurrar carro era serviço pra homem, segundo ele.

—Sô Gerardo ieu tenho qui anda ligêra, num posso ficá inzonano... O fio do Chico ta lá nasce num nasce.
—Carma... Nóis vái chegá a tempo.—Disse ele, acelerando o motor.
De repente, o jipe rodopiou e quase bateu no barranco, porém, Sô Geraldo conseguiu desviar e foi em frente. Dali a pouco, ouviu um rumor entre os seus passageiros e perguntou:

—Que latomia é essa aí, cêis tão mi istrovano a guiá. Tão tirano minha atenção...
—Sô Gerardo... Aquela hora da bacada... A Vó Rufina caiu do jipe ...Ficou lá pa trais na barrela...Tadinha.

Apavorado por natureza ele manobrou o jipe na estrada barrenta e voltou uns trezentos metros, desceu, quando viu a pobre senhora esparramada no do lamaçal, debaixo da chuva. Sô Geraldo esbraveja:

—Ô VÓ RUFINA, IEU NUM MANDEI NINGUÉM APIÁ DU JIPE...NUM MANDEI MEMO!

Horas depois, já noite alta, ouve-se barulho de motor. Estropiada, a parteira chega ao seu destino. Encontra Chico e a sogra sorridentes. Joana tinha nos braços um menino graúdo, de olhinhos abertos e já grudado no peito mamando.
–O Chiquim num isperô pa nascê... Vei iantes do tempo, vó...
—Tô veno minha fia... Tô veno... Ocê teve munta sorte, um mininão desse, si isperasse interá os nove mêis, cê ia morrê de parto...



Nota: Esta história aconteceu de fato. Minha mãe e Dona Elza fizeram o parto. Mãe conta que foi o dia que ela passou mais apuros na vida, era bem jovem, nunca tinha visto uma criança nascer. Ela é madrinha do Chiquinho.

Dicionário mineirês:
De moda: Grávida.
Aduecê: Dar a luz.
Inzonano: Demorando.
Latomia: Falação.
Sair de toada:Sair muito rápido.

Imagem de Lucia Hiratsuka enviada por Nete Brito.
Maria Mineira
Enviado por Maria Mineira em 15/08/2011
Reeditado em 23/02/2013
Código do texto: T3160919
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