Um Cachorro Especial

Todo sábado, o velho Salustiano vinha à cidade e se sentava no banco da praça, debaixo do pé de jatobá. Logo estava cercado pelas pessoas que gostavam de ouvi-lo contar mentiras. Como de costume, tirou do bolso da camisa um cigarro de palha, ascendeu, deu um trago e soprou para o alto a fumaça. Em seguida esticou o pescoço e olhou para a platéia que se formava. Ao ver que havia muita gente para ouvi-lo, limpou a garganta e iniciou a histo-ria:

“Um bom caçador de perdiz tem que ter um bom cachorro perdigueiro. Eu tive um que era o melhor da região. Não conheci outro e já tive muitos. Chamava-se Xarope. Ele sentia a presença de uma perdiz a um quilometro de distancia. Para provar o que estou dizendo vou contar uma historia que aconteceu comigo, em uma das muitas caçadas.”

“Xarope era um cachorro alegre, manso, nunca atacava as pessoas. Gostava mesmo era de acuar as perdizes. Era corajoso o melhor levantador de perdiz que já tive. Sentia o cheiro da ave no ar e chegava fácil onde elas estavam. Cada vez que saia com ele para caçar, eu matava muitas, por que ele com seu faro apurado localizava facilmente, onde elas estavam escondidas. Enfiava-se nas moitas a procura delas, sempre calado, só latia para me avisar que tinha encontrado uma. Um latido insistente, de bichinho que quer a ajudar o dono a caçar. Só parava de latir quando ela voava e eu a derrubava no tiro. Tinha um faro muito especial. Não errava uma”.

“Certa vez, quando saí com ele para caçar aconteceu um caso extraordinário. Andava por uma estrada sinuosa que parecia não ter fim. Ele na frente farejando o ar, e eu atrás com a espingarda a tiracolo. A margem da estrada, capim alto, moitas que escondem as perdizes que as habitam. Ele sentia que não havia nenhuma por ali. Algumas pessoas passam por nós e acenavam, num cumprimento formal. Xarope seguia sem dar atenção a elas“.

“Nesta hora, o sol brilhava forte. Em volta só se via o mato. Ao longe avistei um senhor vindo em nossa direção. Um senhor, cuja idade era imprecisa, mas que parece carregar muitos anos nos ombros. De repente, Xarope sai correndo e para diante dele e começa a latir. O homem fica apavorado com a agressão do cachorro. Eu não entendia nada. O que estava acontecendo? Xarope nunca havia atacado ninguém, era um cachorro manso com as pessoas. Só acuava as perdizes. Qualquer um podia se aproximar dele”.

“Ao me aproximar notei que ele tremia. Queria que eu fizesse alguma coisa. Abaixando a cabeça mandei o Xarope ficar quieto. Meu cachorro me obedeceu como sempre fazia. Abanou o rabo e deitou. Dirigi-me ao homem que ainda assustado gagueja”:

- Nunca um cachorro me atacou desse jeito.

- O senhor me desculpa, não sei o que deu nele para atacá-lo, desse jeito. Isso nunca aconteceu, acredite.

"O homem foi se acalmando, e finalmente, mais calmo, sorriu e disse que não foi nada, só levou um susto. Depois de tudo resolvido decidimos nos despedir. Ai então, eu resolvi perguntar seu nome":

- Por favor, como o senhor se chama?

Ele me respondeu e então entendi porque Xarope se comportou daquela maneira.

- Eu me chamo Zé Perdiz