MIL E UMA, MENOS DUAS

No bairro onde eu morava na época em que era jovem, havia um Senhor por nome de Antonio. Todas as tardes ele sentava na praça do bairro e não demorava muito, logo começavam chegar os curiosos, pois ele era muito respeitado na comunidade, era um professor aposentado e era considerado muito culto. Mas na verdade, os que ali se achegavam, sabiam que iriam escutar muitas histórias, e algumas delas até um pouco duvidosas. Eu, apesar de ser muito jovem na época, era muito interessado em aprender com os mais velhos ou mais experientes, por isso, sempre marcava presença ali também. Só que, um daqueles dias tornou-se especial para mim, o qual me recordo até hoje, pois quase terminou em tragédia por alguém ter duvidado da veracidade das histórias de seu Antônio, isso ele não admitia.

Uma bela tarde, o sol ainda por se pôr, lá estava seu Antônio, sentado em um dos bancos da praça, a barriga de fora, pois a camiseta não conseguia dar conta de cobri-la por completo por causa de seu tamanho. Ao lado dele, Gato Guerreiro, um pinguço que sempre estava por ali à espera que alguém lhe pagasse uma dose de pinga. Gato Guerreiro era um fiel telespectador daquelas seções de histórias. Seu Antonio então, começa a primeira história do dia:

- Quando eu era criança, tinha um pé de jaca na frente de minha casa, porém, ninguém conseguia comer uma jaca madura daquele pé, pois elas desapareciam. Meu pai intrigado com aquilo pediu que eu ficasse na tocaia para ver quem era que roubava as jacas maduras. Fiquei escondido atrás de uma moita de mato, quando de repente apareceram três maloqueiros, tiraram as jacas maduras e foram embora. Corri e contei para meu pai. Ele então arrumou um cachorro bravo e amarrou no tronco do pé da jaca. – Quero ver agora se eu não consigo comer uma jaca desse pé, disse meu pai. -Só que as jacas continuaram sumindo. Meu pai novamente pediu para que eu ficasse na tocaia. Lá estava eu atrás da moita novamente, quando apareceram os maloqueiros com um pedaço de carne na mão, deram ao cachorro, ele comeu e depois subiu no pé da jaca, tirou uma e deu aos maloqueiros.

Gato Guerreiro então o interpela.

- Pera aí seu Antonio!

- Sim meu filho, responde seu Antonio.

- O Senhor não acha que é meio difícil para um cachorro subir em um pé de jaca? Pergunta Gato Guerreiro.

- Depende do pé – lá o pé era meio inclinado, dava para ele subir; respondeu seu Antonio já um pouco irritado.

Começou então a próxima história:

- Meu pai gostava muito de pescar, e um belo dia, lembro como se fosse hoje, ele me chamou – filho vou pescar, você não quer ir comigo? – sim meu pai, respondi. Pegamos a rede (tarrafa), chegando lá no rio, meu pai começou preparar a tarrafa para lançar na água, então eu disse: papai jogue aqui nesse lugar, eu acho que tem muito peixe aqui. Meu pai lançou a tarrafa naquele lugar que eu tinha indicado, e para minha surpresa, ele precisou de minha ajuda para puxar a tarrafa, pois era tanto peixe, tanto que ficamos abismados! Vamos contar papai? Perguntei. – sim meu filho, respondeu ele todo sorridente. Começamos a contar...

Seu Antonio deu uma pausa... Todos curiosos para saber o resultado da contagem, perguntam então em uma só voz:

- Quanto deu seu Antonio?

Seu Antonio recomeça.

- Olha meus filhos, só estando lá para acreditar. Mas, a quantidade de peixe... E tem mais, era só lambari. Em fim, a quantidade foi 999 lambaris.

Todos então exclamaram:

- Isso tudo, seu Antonio!

- Sim meus filhos, isso tudo.

O gato guerreiro já injuriado, pois ninguém ainda tinha pago uma dose de pinga para ele, não agüenta e diz:

- Seu Antonio, por que o Senhor não completou os mil?

- Meu filho, você acha que por causa de um lambari, eu vou mentir é?

OBS.: Seu Antonio e o Gato Guerreiro morreram muito anos depois, sem se falarem, por causa desta desfeita do Gato Guerreiro.

Josildo S Neves