100 – O PREÇO DE UMA TRAIÇÃO...

Zé Tenório, um rico comerciante de gado no estado do Mato Grosso, sabendo que sua mulher o traia com um dentista armou uma cilada, com desculpas que iria viajar a negócios, surpreendeu os pombinhos em sua casa, na sua cama completamente nus aos beijos e abraços e outros requintes, seus capangas que o acompanhavam na empreitada, Zé Pretinho, Marruais, Chico da Matilde e Francisco Galeno, sem dificuldades alguma dominaram o amante, deram-lhe uns catiripapos e o peladão na cama se acomodou e amuou em choros e pedidos de clemência.

Zé Tenório, com toda calma do mundo, senhor da situação, senhor da vida e da morte, sem se alterar:

- Caro Dentista! Sei que você freqüenta o meretrício, pois já o vi várias vezes por lá, quando você dorme com uma prostituta parecida com a minha Mercedes quanto você paga pela noitada!

O Homem tremia e não abria a boca, ainda sentado na cama com a mão direita apoiada sobre o criado mudo foi quando o Marruais na surpresa desferiu uma violentíssima cacetada naquela mão, tão violenta que de longe se ouviu o barulho dos ossos sendo esmagados. – Vou perguntar mais uma vez, se você não responder agora eu estouro os seus miolos.

Engatilhou o trinta e oito perguntando:

- Quando você dorme com uma prostituta parecida com a minha Mercedes quanto você paga?

Chorando, implorando piedade, o dentista respondeu:

- Pago uns duzentos reais!

– Então pague a Mercedes o que você lhe deve!

– Minha mão está quebrada e eu não consigo abrir a carteira.

Ajudado pelo Francisco Galeno, quatro notas de cinqüenta reais foram jogadas sobre a cama. Tirado as fotografias:

- Senhor Dentista você pode ir embora, não vou matá-lo! As suas roupas, carteira e o seu carro só entrego para sua esposa!

– Pessoal! Joguem lá na rua o nosso peladão, assim a cidade inteira irá saber do acontecido, quero tudo às claras!

Dispensou seu capangas, agarrando a Mercedes pelos cabelos enfiou o cano do revolver na sua boca com tamanha violência que o sangue pelos cantos escorreu, ditou a sentença final:

- Durante o resto de nossas vidas, no almoço e no jantar eu quero ver em um prato esse dinheiro, essas quatro notas de cinqüenta reais, para que nunca esqueçamos do acontecido, você entendeu? Espavoridamente ela gungunou sons que dava para deduzir que havia compreendido perfeitísssimamente a sentença.

Assim no decorrer dos dias a Mercedes trazia o prato com as quatro cédulas e o colocava sobre a mesa de jantar que só era retirado após se fartarem, não tinham filhos, naquele silêncio os dois se destruindo.

Passaram meses, a Mercedes quando olhava para o dinheiro perdia o apetite e não mais conseguia se alimentar, emagrecia a olhos vistos, descuidou de si, cabelos despenteados, perdera todo o seu encanto, caminhava arrastando seus velhos chinelos, de longe se ouvia o ruído, lá vinha ela trazendo o prato com as cédulas, ou lá ia ela levando o prato, era uma morta viva, das vezes humildemente levantava os olhos para o Tenório na esperança vã de um sorriso, de um aceno, até de uma palavra, mas este se mantinha calado e irredutível, parecia se divertir com a situação, até que um dia ela ao se levantar para guardar o prato com o dinheiro, toda encurvada e desfigurada:

- Tenório me perdoa? Não ouvindo resposta:

- Tenório me perdoa?

– Tenório me perdoa? Desfalecendo cambaleou para um lado e para outro, desesperadamente ainda tentou se apoiar na mesa, faltaram-lhe forças, foi se abaixando, contorcendo, suspirando com dificuldades, fechou os olhos e acabou por estatelar no chão, a vida lhe havia fugido e o prato que continha o dinheiro na queda se fez em pedaços, ele, calmamente recolheu a cédulas e em nada se importou com o acontecido.

O Tenório se lembrou que ela havia pedido que quando morresse gostaria que seu corpo fosse enfeitado com rosas cor de rosa, ele cumpriu o seu desejo, dela se despedindo no falso último beijo, por entre as flores sem que ninguém percebesse enfiou as quatro cédulas de cinqüenta reais para que acompanhassem a finada até nas profundezas da terra.

Os pais do Zé Pretinho passaram a trabalhar na casa do Tenório, a Mãe uma excelente cozinheira, e o Pai cuidava da jardinagem e de pequenos serviços, o tempo passa, mas não esquece, tudo um dia tem o seu ajuste, tudo um dia tem o seu acerto, chegara o tempo do Tenório penitenciar.

Certo dia chegando tarde em casa, sozinho foi jantar, sentado à mesa sentiu uma lufada gélida, sufocante a envolver todo o seu corpo que em arrepios ficou, foi quando ouviu claramente um chiado do arrastar de chinelos, mais assustado ficou quando ouviu o barulho de prato ser colocado sobre a mesa, pouco comeu, quando de novo ouviu o barulho de um prato sendo retirado da mesa, e o arrastar de chinelos rumo a cristaleira onde o prato com o dinheiro sempre ficava guardado.

E assim no decorrer dos dias tanto no almoço como no jantar ele ouvia tais barulhos, concluindo nas entranhas da sua alma que era a finada esposa ainda hoje no cumprimento da sua determinação. Passou a se alimentar em restaurantes, tudo em vão, aquela brisa gélida sufocante o envolvia, o arrastar de chinelos, o barulho do prato sendo colocado ou retirado na mesa, não mais se alimentava, emagrecia, barba por fazer, dentes por escovar, nem banho tomava, um esqueleto coberto por uma pele ressequida se transformou, falava sozinho, das vezes pedia perdão a Mercedes, das vezes gritava com ela, das vezes chorava, das vezes enlouquecia...

Sábado, hoje faz três anos que a Mercedes morreu, cedo ele levantou, barba feita, dentes escovados, esmeradamente trajado, colocou suas botas preferidas, alegre, surpresa para todos, tomou um bom café, saiu com a sua caminhonete, passou pela floricultura, um ramalhete de rosas cor de rosa no cemitério enfeitou o jazigo da esposa e ele se ajoelhou:

- Mercedes! Você me perdoa!

Uma brisa tépida desafogante envolveu todo o seu corpo e a sua alma, sorriu de si para si, se sentiu o homem mais feliz do mundo, se sentiu perdoado.

Ainda ajoelhado tirou o seu revolver da cintura, enfiou o cano na boca, mas sentiu dificuldades para disparar, olhando para todos os lados no certificar que estava sozinho, desta vez antecipou, engatilhou o revolver e com o cano dentro da boca se curvou, no granito do mausoléu apoiou o cabo da arma e o gatilho apertou.

Um som abafado ecoou por todo o cemitério, e ele caiu como que abraçando a lápide derrubando o vaso e as rosas, seu sangue por entre elas esparramou. Mas neste mundo nada é em vão, em tudo existe uma lição a ser aprendida, feliz daquele que cedo aprende a perdoar!

Magnu Max Bomfim
Enviado por Magnu Max Bomfim em 13/09/2011
Reeditado em 13/12/2011
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