O VALENTÃO DO BAIRRO

O Chapinha era o valentão do bairro. Não que ele tivesse o perfil para tanto. Na ver-dade não tinha. Era baixinho, franzino, não chegava a metro e sessenta, se tanto. Como conseguira aquele status, de valentão, ninguém sabia dizer. Talvez fosse a coragem. Ah!, isso ele tinha.Era valente pra dar com pau. Encarava qualquer um,mesmo cara maior do que ele. Não tinha medo. Na verdade, uma leva de grandões não tinha coragem de encarar o Chapinha. O Armandão, por exemplo era um deles. Era um sujeito corpulento, com mais de metro e oitenta. Musculoso, parecia uma mistura de Rambo com estivador de porto. Mas tinha medo do baixinho Chapinha. Quando lhe perguntavam porque fugia do Chapinha, ele dizia que não queria levar pernada.
Bobagem, o Chapinha não era bom de pernada coisa nenhuma. Sua única arma era a valentia. Era como uma jaguatirica, oncinha braba que não foge de nenhum desafio. Se ele não agüentasse na porrada pegava o que tinha à mão e partia para cima do desafeto com uma fúria inacreditável. Babava de excitação.Seus olhos pareciam dois carvões em brasa quando ficava bravo. Parecia que a briga, o desforço físico era, para ele uma injeção de adrenalina, que fazia o sangue correr todo para os olhos e levava toda a sua força para os punhos. E ele batia com uma dureza de martelo. Todos falavam do temível “soquinho redondo” do Chapinha.
Certa vez ele brigou com três rapazes ao mesmo tempo. Dois deles eram pelo menos maiores do que ele. Sua arma, nesse dia, foi um canudo de papelão. Era um desses canudos, semelhantes aos que se usam para guardar diplomas. Só que consideravelmente maior. Foi canudada por todo lado. Quando alguém conseguiu apartar a briga, os três rapazes estavam todos machucados e o canudo consideravelmente esfacelado.
Esse era o Chapinha. Uma vez ele se estranhou com um crioulinho do bairro, apelidado de Gasolina. O Gasolina era um neguinho esgrouviado e magrinho que tinha, por ai, uns quinze anos. O Chapinha mais de vinte. Não podia dar outra coisa. O neguinho levou uma surra. Mas não chorou nem xingou nem correu para ir chamar o irmão mais velho, como muita gente fazia. Só disse que aquilo não ia ficar assim.
“Claro que não”, respondeu, rindo, o Chapinha. “Amanhã vai estar inchado”.Ele era, além de tudo, gozador.   
“Eu não vou ficar deste tamanho a vida inteira”, disse o Gasolina.
“Quando você crescer eu já morri”, respondeu o Chapinha.
Se foi destino, premeditação ou coincidência, ninguém saberia dizer. Mas não se passaram cinco anos desde aquele dia, e numa tarde de domingo os dois times do bairro estavam disputando o derby local. Era o famoso duelo entre o tricolor e o alvi-negro do bairro, jogo que acontecia pelo menos uma vez por ano, na disputa do campeonato da várzea. Nunca terminava sem briga. Quem perdia sempre partia para a porrada, como querendo descontar no braço o que havia perdido no pé. Era assim, e por isso, esse era sempre o jogo mais esperado do ano. Todo mundo ia ao campo para ver a briga, não o jogo.
Naquele dia a encrenca começou mais cedo. Já no primeiro tempo. O tricolor tinha um meia esquerda baixinho e arisco que gostava de meter bola no meio das pernas do zagueiro adversário. E o alvi-negro tinha um zagueiro, um negão tipo armário que arregaçava com tudo que aparecia na sua frente. E o inevitável aconteceu. Não haviam transcorrido trinta minutos de jogo quando o baixinho enfiou a bola no meio das pernas do zagueiro negão.Quando se preparava para pegar a bola do outro lado, a perna do becão caiu em cheio na cabeça dele. Só ela já pesava mais que o corpo todo do baixinho. Era um verdadeiro martelo-pilão que esmagou literalmente o adversário. A briga começou dentro do campo. Os onze do alvi-negro contra os dez do tricolor primeiro e depois mais uns trinta torcedores de cada lado, que invadiram o campo para entrar na refrega. Quando a polícia chegou e finalmente conseguiu acabar com a rixa, o que sobrou, além de algumas cabeças quebradas foi o corpo de sujeito baixinho, que jogava na meia esquerda do tricolor, estirado no meio do campo, com o pescoço quebrado. O zagueirão respondeu a processo por homicídio culposo. Pegou dois anos de serviço comunitário. Aos domingos ele era visto lavando o salão dos Lions Clube do bairro e às vezes pintando a parede da Igreja de São Benedito. Quando se referia ao acidente que custara a vida do baixinho, ele repetia sempre a mesma frase: “eu cresci, né?”


João Anatalino
Enviado por João Anatalino em 19/09/2011
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