O Caso do "Juiz Brasileiro às Vezes é Tão Bonzinho"

I

Compartilhamos recentemente da convivência de um brilhante e competente Juiz do Trabalho que me fez lembrar certo personagem da televisão brasileira. Sua intérprete era a belíssima atriz e modelo norte-americana Kate Lyra, esposa do músico e compositor Carlinhos Lyra.

O programa humorístico do qual ela participava esteve no ar entre os idos de 1976 e 1982 – o conhecidíssimo “O Planeta dos Homens”, e trazia, entre outras, algumas das maiores estrelas do humorismo nacional: Jô Soares, Agildo Ribeiro, Paulo Silvino, Renata Fronzi, Marco Nanini, Marília Pêra, Eliezer Motta e Costinha.

Durante o período em que o programa foi apresentado muitos personagens e bordões foram se destacando e se tornando parte do dia a dia de milhares de brasileiros espalhados desde o Monte Caburaí, em Roraima – que verdadeiramente é o ponto mais extremo localizado no Norte do nosso país - ao extremo sul, no município de Chuí.

Dentre os personagens daquele show de humor, os mais interessantes eram a Enfermeira alemã e o pai coruja, a Thania (com th, comunicóloga da PUC), o anistiado (Não me comprometa!), o Frei Paulino (interpretado pelo Costinha), o Irmão Carmelo e o Batista (Senão é um casa-separa, casa-separa, casa-separa... e eu não caso!).

Além destes, outros bordões falaram diretamente à alma e à memória da nossa gente, como:

- “Perguntar não ofende!”;

- “Só contaram para você?!”;

- “Tá todo mundo enrolando...? Tá todo mundo enrolando!”;

- “Já estão me tratando como gente!”

No entanto, uma das melhores enquetes do programa era mesmo aquela interpretada pela divertida e sensual Kate Lyra. Deliciosamente vestida com roupas curtíssimas que sempre deixavam à mostra as suas belas pernas e o torneado das coxas, era a jovem constantemente assessorada e assediada por algum marmanjo repleto das piores intenções.

E ela - por ser estrangeira e não conseguir captar muito bem os códigos da masculinidade latino-americana - ficava sempre sem entender as reais motivações dos rapazes que a rodeavam.

Para ela o brasileiro – talvez percebido um tanto à imagem e semelhança do bom selvagem de Rousseau - se achava sempre disposto a ajudar no que quer que fosse. No final da enquete, portanto, ela inevitavelmente agradecia repetindo o mesmo bordão: “brasileiro é tão bonzinho!”

II

Pois foi essa personagem que me fez lembrar a estadia do referido juiz na 20ª. Vara do Trabalho de Belo Horizonte. Vou explicar tudo para vocês.

O caso é que em determinado dia surgiu no balcão da Secretaria o marido de uma reclamante. Ele me perguntou se seria possível despachar diretamente com o juiz a respeito de determinada questão no processo de sua esposa.

Afirmei-lhe acreditar que não, pois a minha experiência pessoal me dizia que os juízes atendiam apenas as próprias partes dos processos (o autor e o réu) e os advogados das mesmas.

Ainda assim me dirigi até o gabinete do meritíssimo e o informei acerca do pedido do esposo da reclamante. Para a minha grande surpresa, entretanto, o juiz pediu que eu conduzisse o tal sujeito até a sua sala de trabalho.

Eu nunca havia presenciado algo assim em todos os meus anos de Tribunal. Jamais houvera acontecido de um juiz despachar com o marido ou qualquer outro parente de uma das partes do processo.

Bom, atendido o tal sujeito, o dia prosseguiu naturalmente para todos nós: o juiz com suas audiências, o atendimento do balcão realizado por mim mesmo e o cumprimento das determinações judiciais daquele dia pelos demais servidores da Secretaria.

III

Ora: imaginem agora quem estava de volta ao balcão da nossa Secretaria logo no dia seguinte. E pedindo uma vez mais para ser atendido pelo juiz!

O leitor com certeza já descobriu a respeito de quem eu estou me referindo: era o esposo da reclamante.

Apesar de achar aquilo um pouco estranho, dirigi-me ao encontro do meritíssimo e o informei acerca da presença do tal sujeito.

Ele me olhou pensativo... e ressabiado... e meio sem saber o que fazer. Pois foi exatamente nesse momento que eu me lembrei do “brasileiro bonzinho”. Então olhei bem no fundo dos olhos do meritíssimo e lhe disse o seguinte:

- Doutor: juiz “brasileiro às vezes é tão bonzinho”, não é?! Igualzinho àquele personagem da Kate Lyra no “Planeta dos Homens”. O senhor se lembra?

Diante daquela frase meio besta e sem pé nem cabeça, o meritíssimo simplesmente coçou a cabeça e desandou a rir. E ele riu e riu muito e por um bom tempo. Depois pediu que eu fizesse a gentileza de conduzir o “maridão” mais uma vez até a sua presença.

Conclusão: nesse caso, o sábio macaco Sócrates - criação do imortal Orival Pessini e partícipe da vinheta de abertura daquele referido programa – nos diria o seguinte:

- “Não precisa explicar: o macaco só queria... entender! Compreendeu?”