O PRESENTE DE GREGO

Quando criança cansei de escutar meu pai dizer essa expressão: “Isso é presente de grego!” Tinha um vizinho de terras muito dos espertos que quando ia chegando a data que meu pai marcava para matar um capado ficava todo solícito. Chegava com uma rédea de alho perguntando minha mãe se não estava precisando de lenha; se a resposta fosse positiva rachava cerne de moreira no machado sem fazer careta. Quando meu pai chegava da labuta e via a rédea de alho dizia: “Presente de grego!” E dava certo porque quando minha mãe ia picar as “porvas” para repartir com os meeiros e vizinhos, a parte desse cara sempre era a melhor.

Hoje, quase meio século depois fico a pensar de onde veio essa expressão. Fico imaginando um caboclo forte, que morava nas terras de um coronel onde tinha serviço, mas não se recebia em espécime e sim em alimentos; foi visitar a vila e ajudando algum mercante recebeu uma moeda como pagamento. Na hora que mostrou a moeda para o patrão, teve a resposta: Isso é presente de grego, o quê vai fazer com isso aqui? E era verdade. Lá não tinha nenhum tipo de comércio e tudo era troca.

Voltando ao corpo presente, não quero e não posso ser retrógrado porque o mundo globalizado urge e é nele que temos que sobreviver.

Mas tudo que ouvi em minha infância e durante anos foi motivo de deboche de muita gente começa a voltar. A maior prova disso é o “presente de grego”. Sem disponibilizar meu tempo em saber a verdadeira estória da Grécia, sei que foi lá que nasceu a democracia e também deve ter sido lá que começou esse antro de corrupção. E a peste grega já afetou seus vizinhos europeus e vai afetar a terra inteira. Como também os americanos do norte, com sua peste específica em aumentar seu poder de endividamento até chegar uma hora que o sistema financeiro para e pronto.

Se meu pai fosse vivo hoje me perguntaria:

“ – Pra quê gastar trilhões para ir na lua se o povo não tem saúde?

- Pra quê gastar trilhões com guerras?

- Pra quê fazer estádios de futebol se nem transporte tem?

- Onde esses políticos arrumam esse tanto de dinheiro pra construir prédios, comprar a cidade inteira?

- Se o banco é do Brasil, porque que precisa fazer propagandas?”

Queria responder meu pai e não preciso.

Aí vai aparecer um democrata convicto dizendo que tem que ter liberdade e nas liberdades o sistema financeiro disputa o cliente, daí a propaganda do banco. Banco... O que seria um banco? Talvez um lugar de sentar enquanto espera um agiota? Às vezes esse mesmo agiota tripudia de sua família; nos tempos mais gregos usavam até a esposa do infeliz como forma de “ pagamento”. Bancos. E o hoje o mundo é refém dos bancos. Tem base? O sistema financeiro ter muito mais força que o sistema produtivo?

- Culpa de quem cumpade?

- É daques lá...

- Ês quem?

- Os do presente de grego.

- Mais tão quebrado!

- Antão bamo isperá os banco tudo quebrá pros pulítico ladrão não ter onde os cobre guardá...

- Larga de sê bobo cumpade, os bandido guarda nos travessero.

- Mas aí os ladrão de galinha pode pegá...

- Mais ladrão de galinha vai preso cumpade!

- Antão não tenho nada mais pra falá.

O sistema financeiro é baseado em papéis e especulações. Nosso país de tempos atrás, tão “quebrado” era proibido de entrar em alguma sala de banqueiros; hoje esses mesmos caras nos convidam para sentar na cabeceira da mesa. E não foi porque nossos corruptos políticos conseguiram comprar um lugar na mesa e sim porque a maioria do povo brasileiro trabalha e desde com alguma condição, produz.

Volto a meu pai e o vejo vendo uma propaganda de empréstimo consignado para aposentados. Penso que diria na lata: Isso é “presente de grego”.

JOSÉ EDUARDO ANTUNES

Zeduardo
Enviado por Zeduardo em 11/11/2011
Código do texto: T3330454
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