Zefa desde criança foi treteira. Os pais não acreditavam que aparecesse algum rapaz para se casar com a filha, pois além do mal humor,a moça era bem feiosinha.
Segundo o ditado, todo caldeirão tem sua tampa. Um dia, apareceu naquela roça um moço que arrastou a asa pra Zefa, o pai sentiu-se na obrigação de avisar o rapaz:

—Oia aqui, Zidoro meu fio, ieu sô pai, num pudia tá te privinino mas ocê tem di sabê o mato que vai lenhá, a minha fia num é fulôr qui se chêre...Indeus de minina ela tem dia qui tá até boazinha, mais ela vira com os arrêio é duma hora pa outra.
—Tô munto agradicido Sô Rumão, mais ieu acridito qui pá cavalo ruim, as veiz Deus bambeia as rédia.
—Cê qui sabi, adispois qui dé cos burro n’água num aceito ocê devorvê a Zefa não.

Casaram-se...Parecia que o azedume acabara. A moça mostrava-se feliz na nova vida. Mas, não demorou muito e ela voltou a ser a mesma mulher contrariada.Vivia maldizendo a própria vida e chamava pela morte todo santo dia. Zidoro pelejava para agradar e em troca rebia maus tratos e reclamações.

—Ô vida marvada essa minha! Si ieu subesse que ia sofrê assim, tinha ficado sortêra.Trabaio feito burra de carga, credo in cruiz!—dizia Zefa enquanto lavava a roupa na bica, cercada pela filharada que fazia um berrero danado.
—Zefa, nóis é pobre, ieu tamém trabaio de sole a sole pa sustentá nossos fio e num fico cramano a vida, uai, nóis tem saude muié...Mi diz u quê qu’eu faço procê ficá filiz e pará de mardizê a sorte?
—Ah, Zidoro...Num sei não sô, ieu peguei intipatia de mim, docê e até dos nossos fio, quero memo é morrê logo pa podê discansá in paiz, pois munto sofre quem padece...
—Fala isso não muié, cê sabe cumé qui é a morte?
—Sei não Zidoro, ocê sabe?
—Oia, mi contaro que a morte si parece c’uma galinha pelada, sem nenhuma peninha no corpo, ela chega de treição pegano a gente na hora qui num tamu isperano, aí leva nóis prus quinto...
—Prus quinto? Uai, num é pru céu não, Zidoro?
—Pru céu quem busca a gente é um anjo lumiento vistidim de branco, ieu vi falá qui galinha pelada leva prus fogo dus inferno.
—Credo, ieu num sabia disso...

A vida seguia e Zidoro desanimado com a falação da Zefa, numa tarde chegou da roça disse que ia tirar um cochilo enquanto ela fazia um sabão no terreiro e xingava .
—Qui sodade da minha vidinha de sortêra, aquilo sim qui era vida, casei pa arrumá sarna pa mi coça, vim pra esse fim de mundo lembê imbira inquanto aquele marvado drome de dia, vô cabá perdeno as istribera cum ele, diacho de vida...

Zidoro já não aguentava mais o repuxo, teve uma ideia: Pegou uma galinha, retirou as penas fez uma trilha de grãos de milho que terminava perto da esposa e soltou a ex penosa. Ficou espiando de longe.
A galinha pelada foi andando entretida a comer o milho enfileirado pelo Zidoro, até chegar na fornalha onde a mulher mexia o tacho de sabão e resmungava.
Quando a Zefa se virou, viu a “morte” em pessoa batendo as asas e olhando para ela. Apavorada e sem fala, tremeu feito vara verde no vento. Caiu em si, lembrou-se que certamente ela teria vindo lhe atender o pedido. Não queria ir agora! Mas a galinha esperava...

Sem poder falar, Zefa balançava a cabeça em sinal de negativa e apontava o dedo indicador em direção à casa mostrando onde estava o Zidoro, tentando convencer a galinha pelada levar o marido ao invés dela.

Dicionário mineirês:
Treteira: Difícil de lidar.
Saber o mato que vai lenhar: Estar prevenido.
Virar com os arreios: mudar o humor de humor, sair do sério.
Dar com os burros n’água: se decepcionar.
Intipatia: antipatia.
Lamber imbira: vida sem graça.viver por viver.
Perder as estribeiras: o mesmo que chutar o balde, soltar os cachorros.

Esta história quem me contou foi Dona Naime, prima de minha avó materna, uma senhora de 85 anos, alegre e de bem com a vida. Uma doçura de pessoa que me recebeu em sua casa com todo carinho, fez pão de queijo e café quente enquanto me contava causos. Ainda vou fazer um texto só para ela.
                       
Maria Mineira
Enviado por Maria Mineira em 12/12/2011
Reeditado em 15/11/2012
Código do texto: T3385539
Classificação de conteúdo: seguro