O LOUCO

O LOUCO

Ele era o melhor aluno do Curso de Medicina, mas não chegou a se formar. No quinto ano teve um tórrido romance com uma moça que morava lá pelos lados de Caxias. A namorada engravidou e queria casar-se. Ele não quis assumir a paternidade. Aí ela começou a “andar” fez tantos despachos para ele. O Zezinho era um rapaz bonachão muito devotado aos estudos, não acreditava que ela pudesse lhe fazer tanto mal. Certa vez, suas irmãs encontraram um despacho de macumba em frente ao portão do sítio em que moravam. No despacho tinha um crânio humano e ao redor do crânio muito velas acesas. Chamaram o Zezinho para ajudar a tirar aquilo do portão, pois a Nadir queria entrar com o carro. Zezinho retirou tudo do portão com as próprias mãos e ficou muito impressionado com a macumba.

No dia seguinte, uma vizinha relatou para as irmãs do Zezinho que ela tinha visto a ex-namorada dele ir com outro rapaz colocar o despacho, e assim que ela arriou o despacho, saiu rapidamente. Ele já não estava mais com a moça, mas soube que ela tinha dado o bebê. Era uma menina. Ela alegava não ter condições de criar a filha. Passaram-se alguns dias, o Zezinho ficou diferente, ele deixou de ir à faculdade. Começou a ficar relaxado, não tomava banho e começou a beber. Alguns meses depois seus pais faleceram num acidente de carro, e a situação do rapaz ficou complicada. Ele teve as primeiras crises de esquizofrenia e foi internado.

Trinta e tantos anos se passaram. Ele ficou morando no sítio, sendo tratado por uma prima a Leda, que cuidava de sua roupa, fazia a comida, as compras e outras coisas. As irmãs foram morar na Tijuca, e por lá ficaram, já estavam aposentadas, mas poucas vezes vinham visita-lo.

Ele ficava doido para dirigir, e toda vez que chegava uma visita, ele contava sua história. Dizia ter deixado de estudar porque sua cabeça tinha dado curto circuito, e que ele tinha medo de macumba, pois ele ficara doente depois de ter visto o crânio no despacho. Contava episódios de sua vida, alternando verdade e fantasia. Quem o ouvisse com atenção, percebia que tinha um bom coração e gostaria de curar-se. Algumas vezes, falava da filha que não tinha conhecido.

Quando uma prima distante mudou-se para uma das casas do sítio, ele começou a apresentar sintomas de melhora. Tomava banho todos os dias, barbeava-se, saía com a prima que tinha idade para ser sua filha. Fazia compras na companhia dela. Sentava-se ao piano, tocava de memória algumas melodias arquivadas nos escaninhos de sua mente. Mostrava-se mais calmo. A prima era católica fervorosa, e ia sempre à missa. Ele passou a acompanha-la e começou a rezar. Passaram-se dois anos, e ele não teve mais nenhuma crise. Deixou de pular a janela da casa da vizinha, ele sempre o fazia para roubar comida gostosa, e depois saía rindo como um moleque travesso. Parecia estar curado, mas continuava fazendo uso de seus medicamentos.

Até mesmo a contagem do tempo para ele voltou a ser normal. Conseguia saber exatamente em que data estava e não mais se confundia nos dias e nos meses. Quando chegou setembro, ele começou a falar com a prima, que no dia 27 de Setembro, ele queria dar uns docinhos de São Cosme e São Damião, pois aniversariava neste dia. Faltando uma semana para a data, ele foi com a prima fazer umas compras. Comprou roupa nova, sapatos. E também comprou os doces e os saquinhos. No dia 26 de setembro, à tardinha, ajudado pela prima e pelo primo ele arrumou os doces nos saquinhos para distribuir no dia seguinte, que era seu aniversário. No dia seguinte, ele acordou cedo, tomou banho, barbeou-se com esmero e foi acordar os primos para ajuda-lo a dar os doces. Ele fez tudo muito feliz. O dia passou rapidamente, à noitinha as duas irmãs apareceram e trouxeram um bolo com velinhas para comemorar o aniversário. Ele conversou muito cantou, comeu o bolo, tomou guaraná, tirou muitos retratos. Dizia para a prima: - Estou curado e estou muito feliz. Hoje foi o dia mais feliz da minha vida. Consegui fazer tudo o que eu desejava, e estou me sentindo leve, parece que estou voando.

As irmãs foram embora, e ele recolheu-se antes das dez. Os primos estavam felizes por vê-lo tão bem. No dia seguinte, a prima que cuidava da casa e dele bateram na porta do quarto, para chamá-lo, pois já eram mais de nove horas e ele ainda não tinha levantado. Zezinho costumava acordar cedo. Não respondeu aos vários chamados da prima. Ela foi chamar o filho, o Júlio. Gritaram alto e nada. Ele trancara a porta. Com certa dificuldade, Júlio e dois vizinhos arrombaram a porta. Levaram o maior susto, Zezinho estava deitado no leito, com um sorriso nos lábios, parecia que dormia todo vestido de branco, estava com o olhar imóvel, perdido além do horizonte. Finalmente tinha sido curado das dores desta vida.

Aradia Rhianon
Enviado por Aradia Rhianon em 08/01/2012
Reeditado em 26/03/2019
Código do texto: T3428543
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