O FALSO MILAGRE

Existem muitos folclores, fatos acontecidos no passado, acontecimentos recentes que foram por mim vivenciados em nossas agências.

São inúmeros casos, histórias que se sucederam por aí afora. Numa dessas

minhas transferências a serviço da Caixa, fui parar numa num pequeno lugarejo do interior de Minas Gerais, mais precisamente na região da Zona da Mata mineira. Cidade hospitaleira, tranqüila , um povo pacto e tipicamente ruralista.

Que viviam da policultura de sobrevivência.

Povo de vestimenta simples, conversa mansa - uai, tá bão, assim mesmo...

Dizem que o povo mineiro é desconfiado, porque não sabem o que tem ou que vem, daquelas montanhas distantes.

Vou parar com esse lero-lero e começar logo a narrar o sucedido há tempos atrás lá por aquelas bandas. Preservarei os nomes dos clientes envolvidos por questões éticas bem como a cidade onde os fatos aconteceram. Preservando assim o sigilo bancário.

O dito popular - “conta-se o milagre mas não conta-se o nome do santo”, aplicado na íntegra.

O fato ocorreu numa daquelas datas, início de trimestre, onde se acertavam os juros de poupança, que eram trimestrais, agência lotada, aliás, pouco ou nada diferente de agora, apenas o surgimento dos computadores, dos celulares, “internet Bank”, coisas desse gênero. Evolução dos tempos. Cliente, sempre cliente, em qualquer situação. Exigente em qualquer parte. Um direito, obviamente inerente à nossa prestação de serviços.

. Afinal de conta, nós da Caixa temos uma missão: prestar sempre bons serviços a quem nos procure.

Pois bem, voltemos ao fato sucedido num daqueles momentos de agência cheia. Compareceu ao caixa executivo o segundo titular da conta, uma conta conjunta tipo e/ ou onde poderiam movimentar a conta qualquer um dos titulares isoladamente, nesse caso tanto o pai quanto o filho poderiam movimentá-la livremente, que era o caso. O pai, um cidadão ruralista, trabalhava de sol a sol, muito seguro nos seus negócios. Não efetuava retiradas, apenas guardava as economias.

Sempre quando ia a agência, lá comparecia em minha mesa, tomava um cafezinho e comentava num dedinho de prosa, os negocinhos que fazia : vendia umas vaquinhas, alguns sacos de arroz ou feijão, produção própria, na luta rude, arado puxado por boi, plantadeira de mão.

Narrava-me com maestria no seu jeitinho simples, saboreando o café que lhe era servido:

 É , seu Zé, a gente não sabe do dia da manhã, por isso mantenho com o meu fii essa continha , pra mode guardar meus trocados. Mas o dinheiro é só do meu

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trabai, ele é mei discabeçado, num junta nadinha!... Vive lá em casa, com a muié e os fii.

Como estava comentando, apareceu o dito filho na boca do caixa pra sacar uma quantia grande de dinheiro, operação normal num grande banco, mas naquela situação e daquela conta o caixa estranhou e logo começou a indagá-lo:

 Cadê seu pai? Vai pagar alguém? Comprou algum imóvel?

- Não. Sim.

- Respondia aquele senhor meio desconversando. -Vou pagá os home da igreja.

- Tão lá fora com o meu pai.

Esgotado o argumento do caixa, após esse diálogo e a fila só crescendo, não restou outra alternativa, o caixa cumpria naquele momento o desejo do cliente. Pagou-lhe a importância devida na guia de retirada.

Passado uns dias, aproximou-se da minha mesa o meu velho cliente, o outro titular da conta. Aparentemente assustado, cabisbaixo portando uma maleta metálica , parecia lacrada com um cadeado resistente.

Seu Zé, bom dia - respondi, Bom dia xará.

- Que o senhor manda? Que isso aí que o senhor tá trazendo? Perguntei.

- Seu Zé. Tó trazendo de volta aquele dinheiro com os juros, aquele que meu fii andou tirando na minha conta.

 Pois bem, xará, respondi. Traga esta maleta aqui prá mim ver.

Fiquei assustado. Comecei indagando se ele tinha visto o dinheiro dentro daquela maleta.

- Tô aqui com a chave, pois os home falô que era prá abrir somente aqui no banco!

Introduzi a chave e nada de entrar.

 Perguntei logo: tem outra chave? –Não, senhô.

- Me conta logo o que aconteceu, falei intrigado.

Então ele começou:

 Seu Zé, não tava em casa não, andavo lá praquelas bandas, procurando o cavalo meu desaparecido. Minha muié disse que chegou dois home, num fusca verde, com bíblia debaixo do braço, conversava com o meu fii pra que ele fosse ao banco mode pegar o dinheiro. No dizê deis tinha sido escolhido por Deus práquele milagre e que ia seguardado naquela maleta prá ser retirado depois em dobro .

Concretizado o suposto milagre, seria revelado à comunidade.

Era pura inocência, aquele dinheiro sacado pelo filho, valeu muitas gotas de suor do velho pai. Foram anos de trabalho e privações para chegar aquela importância.

Continuou o xará narrando:.

 Após o meu fii sacá o dinheiro, apareceu um deles com a maleta, para que

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colocasse ali dentro a importância combinada e que só poderia ser aberta no banco, após alguns dias, fato que se quebrasse o combinado seriam castigados e perderiam tudo.

Após, ouvir atentamente a narrativa, fiz um sinal de desconfiança ao vigilante, que tinha entendido o fato e já presumia um triste final.

Expressei-me firmemente – Temos que arrombar! O senhor autoriza?

 Sim, seu Zé. Pode! Exclamou-me.

Pegamos uma turquesa. Vapt. Estouramos o cadeado. Não me surpreendi.

Aquele homem desfaleceu, enchendo o seu rosto de lagrimas.

Naquela maleta, havia agora apenas pedaços de papéis picados e pedaços de tijolos lá dentro.

Haviam substituído as maletas, levando a verdadeira com o dinheiro!

Num ímpeto, ainda aos soluços, expressou-se o pobre homem:

“Mais vale Deus pra dá do que o Diabo prá tirá”.

 Seu Zé, só peço a Deus saúde. Volto a trabalhaiá e a enfrentá as madrugadas, vou juntar muito mais. Tenho fé em Deus!

E aquele homem simples cumpriria rigorosamente o prometido, sempre ao adentrar na agência lá comparecia em minha mesa...

jose mauro candido mendes
Enviado por jose mauro candido mendes em 15/01/2007
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