Andando para frente e voltando ao passado

As andanças que fazemos em nossas vidas na busca dos horizontes são gratas voltas ao mundo, e em nosso próprio eixo. Tudo insignificante estar relatando isso, mas se o tempo passa e o mundo dá voltas, nós devemos guardar lembranças de algo, seja o que for. Primeira namorada, primeira professora, amigos de infância, coisas ruins ou coisas boas vivenciadas anteriormente. Embora não possamos reviver o passado, como garante doutor Augusto Cury - guru no assunto de entender a personalidade humana - podemos reconstruí-lo. E essa reconstrução torna o futuro – ou presente, depende do momento – muito mais bonito. Neste momento de reflexão chego até mesmo a lembrar de uma música da dupla sertaneja “Zezé de Camargo e Luciano”, que dizia “quanta gente a gente vive deixando pra trás, mas tem coisas nessa vida que não voltam mais: a primeira namorada, a professora do jardim, companheiros de estrada...”.

Caros leitores, profícuos amigos, quero vos relatar em um dedinho de prosa, um pouco sobre mim para adentrar nas veredas desse conto. Sou de uma família que não tem raízes em lugar nenhum desse pedaço de chão nordestino que é a Paraíba. Meus pais viviam se deslocando para vários lugares e nunca passamos muito tempo em uma cidade. Mesmo assim a maior parte de minha vida foi passada na cidade de Patos, Paraíba.

Foi lá onde estudei meus primeiros anos ginasiais e nessa época conheci na escola uma menina encantadora chamada Gilberlânia. É uma moça forte, estatura média e pele branca, com simpatia característica e muita inteligência no cerne de sua personalidade. Estudamos a quinta, sexta e a sétima série em uma escola pública de um bairro periférico da cidade de Patos. Criei identidade com ela e os meninos de minha turma chegaram a cogitar que eu estava apaixonada pela bela moça. Muitas insinuações. Verdade é que eu a achava muito atraente, bonita e com o perfil de mulher que todos os homens com bonita trajetória poderia gostar. Mas daí estar apaixonado eu não estava. Não estava mesmo!

Pois bem, o tempo passou e nas nossas andanças, minha mãe resolveu mudar-se de ares novamente e escolheu uma cidade vizinha como o novo aconchego. Morei sete meses sozinho, antes de me mudar também, e ao final daquele ano de 2001 fui juntar-me novamente aos meus entes queridos. Deixei a Gilberlânia e todos os demais amigos de escola para trás.

O tempo passou, e eu ingressei na faculdade e fui morar em uma cidade muito distante dos meus familiares: Bananeiras, Paraíba, 270 km dali. Eu morava na própria universidade, no regime de internato mediante as minhas condições de vida. Nessa época eu dava mais glamour e mais toques interessantes àquilo que eu chamo de andanças de minha vida. Pois eu estudava na faculdade e nas férias ou nos feriados prolongados, viajava para ver meus familiares. Foi nessas andanças de minha vida que aconteceu um caso interessante.

Um dia qualquer, desses que acordamos disposto, eu tive que voltar das férias para a faculdade. Já havia comprado a passagem do ônibus e andava, de cabeça baixa, reflexivo, de um lado para outro sob o chão do terminal rodoviária da cidade de Patos. Certo momento, levantei meu rosto e vi uma moça sentada no banco de espera ajeitando um par de malas de viajem. Conheci no mesmo momento, sem titubear. Era a Gilberlânia com aquele mesmo corpo, o mesmo semblante de menina. Estava ali sentada e, pensando bem, com a mesma preocupação que eu: horário do ônibus e horário de chegar ao destino. Estava em companhia de outra moça que pelas aparências e o entrosamento de assuntos, percebi que eram irmãs. Passei em sua frente e logo vi que eu me fiz ser percebido. Passei de volta sem dar-lhe atenção e novamente voltei e ela me reconheceu. Olhava-me insistentemente, perscrutava-me. Mas nem dei sinal que lhe conhecia ou que me lembrava dela. Esse movimento era simples: eu fazia assim por que muitas pessoas já me fizeram de bobo no simples fato de não se lembrarem de mim em ocasiões como esta ou fazerem pouco caso quando eu os fazia lembrar de mim.

Com tanto movimento que eu fazia ela tomou uma decisão de me dirigir a palavra e me jogou essa indagação:

- Ei menino...

- Eu?

- Você mesmo. Preciso saber uma coisa... Você já estudou em uma escola lá no bairro Bivar Olinto? Iniciava aquele que seria um reencontro bem interessante. Minha resposta imediata foi um sorriso sínico e revelador. Eu estava feliz por saber que ela relembrou de mim.

- Estudei sim, faz uns anos já. Mandei-lhe essa resposta.

- É que você se parece com um rapaz que eu conheço e estudou comigo lá. Declarava ela. Tratei de dar fim logo às aparências e revelar quem eu era.

- Gilberlânia? Sou eu Jozias. Eu te reconheci, mas achei que você não fosse me reconhecer e por isso não falei contigo.

- Eu conheci na hora rapaz! Dizia ela, toda animada com seu jeito particular de sertaneja.

- Que coisa boa. Tanto tempo passou hein!

- Num foi rapaz. Já estamos velhos. Mas você não mudou em nada. Quer dizer, a aparência. Só está mais corpulento.

- Não te achei mudada nesse aspecto também.

Foi assim nosso primeiro diálogo naquele dia surpreendente. Afinal foram dez anos de intervalo em nossas vidas, sem nunca mais nos vermos. E nós nos reconhecemos tão rápido. Estávamos bem felizes com aquele momento. Prosseguindo essa primeira conversa, nós fomos nos atualizando dos fatos e acontecimentos que haviam se passado na vida um do outro e a sua irmã só escutava. Ela é uma moça bem bonita, diga-se de passagem. E o mais interessante, é cópia fiel das qualidades boas que a Gil apresenta. No nosso papo eu tratei de colocar intimidade para mostrar para ela Gilberlânia que eu havia mudado.

- Rapaz o que aconteceu contigo nesses tempos todos? Foi morar onde? Indagava-me ela toda ansiosa.

- Minha família foi morar em um município aqui vizinho... Nós estamos morando lá até hoje. Esse tempo todo eu passei por lá. Passei no vestibular e estou fazendo faculdade lá em Bananeiras, no Brejo Paraibano. Tu conheces?

- Não conheço. Que coisa boa, você está fazendo faculdade. Qual é o curso?

- Estou sim. Estou cursando Licenciatura em Ciências Agrárias. E você o que aconteceu contigo? Já casou-se? Perguntei isso com um sorriso no rosto.

- Que casar que nada rapaz. Estou morando na capital. Também estou cursando a faculdade de pedagogia. Faz quatro anos que deixei o sertão. E você já está casado?

- Também não. Tenho muito o que fazer antes de casar. Eu me acho muito novo para casamento agora. Disse-lhe

Nessa hora o nosso ônibus chegou. Viajamos no mesmo ônibus. Ela indo para a capital, João Pessoa e eu indo para Campinha Grande. O ônibus e o horário da viajem foram gratas coincidências para nós. Durante a viajem conversamos mais. Muitas coisas. Falamos dos outros amigos de escola do nosso tempo, mais coisas sobre nós.

- Apesar de tudo eu acho que mudei muito daquele tempo para cá. Encerrei assim um dos nossos assuntos.

- Eu também... Eu te achei mudado realmente. As atitudes... Ficou mais “desenrolado”, diria assim.

- Com certeza! Nós temos que mudar com o tempo. Eu era muito tímido naquela época.

- Eu também mudei muito, mas também guardo muito do que eu era naquele tempo. Enfim, acho que mudamos para melhor. Você não acha?

- Acho sim – Respondi – eu realmente mudei para melhor. Não conhecia muitas coisas. Eu era um matuto muito fino. Disse isso e a reação dela foi um sorriso.

Já estávamos entrosados novamente e ela já ria com frequência do que eu falava. Quando falávamos dos outros ou relembrávamos coisas passadas o tom de comicidade da conversa aumentava. Relembrávamos as coisas mais engraçadas. Uma dessas coisas, posso dizer-lhes que foi bem marcante para nós.

Era uma gincana cultural da escola em que estudávamos e em um momento nos chamaram para fazer a atividade surpresa. Os organizadores de nossa turma pensaram que era a atividade cultura de responder perguntas sobre os conteúdos ministrados nas aulas. Essa era uma atividade clássica nas gincanas culturais e eu e ela éramos os representantes dessa turma para esse momento. Afinal de contas éramos os melhores alunos daquela turma. Mas a atividade era surpresa e precisava de uma dupla de cada turma... Foi aqui que mudou tudo. A organizadora do evento anunciou que teríamos que construir uma pipa e apresentarmos aos jurados para que se jugassem qual delas ficou mais bonita. Eu nunca tinha feito uma pipa em minha vida. Gil também não. Ficamos aflitos e ao mesmo tempo rindo da situação. Enfim, resolvemos fazer a tal pipa e ficou uma verdadeira desgraça. Uma obra de arte pior que a descrita por Zeca Baleiro e Zé Ramalho na música Bienal. Mesmo assim a nossa obra foi levada à apreciação pelos jurados e, como era de se esperar, ganhamos notas baixas. Ficamos marcados por aquele acontecimento que para nós seria trágico se não fosse cômico. Gil relembrou comigo e não parávamos de rir.

- O que danado foi aquilo que eu fiz hein? Dizia eu aos risos

- Lembro-me de tudo. Para nunca mais repetir. Passamos uma vergonha danada.

Bem caros leitores, deixem-me encerrar esse conto. Quero vos relatar que nos falamos muitas vezes depois. Contamos mais coisas engraçadas. Como estávamos solteiros, eu aproveitei para jogar um xaveco, mas vi que nesse aspecto eu não havia evoluído e não consegui conquistá-la. Tudo bem, vida que segue. Voltamos a sermos aqueles amigos de escola, agora mais maduros. Poderia até dizer, amigos de faculdade. E eu refletindo sempre: como a andanças de nossas vidas às vezes nos levam de volta ao passado. Na medida do possível isso será sempre cômico quando não é trágico. Saudações!!!

Jozias Umbelino
Enviado por Jozias Umbelino em 27/02/2012
Reeditado em 27/02/2012
Código do texto: T3522752
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