Cámile

A curiosidade matou o gato. Eita mentira deslavada!!! A curiosidade matou os jovens. Ou melhor está matando aos poucos, isso sim. Um gato perscruta o ambiente em seu entorno, mas é rápido em seu “gatilho” e se defende dos perigos. Os jovens são curiosos e se embrenham em seus vícios para descobrir “o bom da vida”. Com essa reflexão bem mais sem graça do que construtiva apresento a vocês um novo conto. Pois curiosidade é o meu forte e os vícios, minha sorte. Até rimou hein!

Era uma festa de São João. A cidade era a minha elegante Urânea, no alto sertão da Paraíba. À noite, enquanto a festa rolava, e eu me “divertia” nos embalos de um gole ou outro de cerveja, misturava com uísque, rum com coca, caipirinha e o diabo a sete. Uma mistura bombástica para quem não “sabe”, ou não tem costume de beber. Nessa época eu era um varão bem jovial. Um moreno bonito, charmoso, mas ainda sem juízo o bastante para controlar os excessos. Contava aí com meus 18 anos. Início daquilo que, se não controlasse, viraria uma desgraça humana. Jajá conto por que...

Abro um parêntese aqui para falar de uma moça que mexeu com a cabeça desse que foi um poeta bem mal amado, quando jovem. O nome dela é Cámile. Pequenina, sardenta e castíssima. O melhor de tudo, inteligentíssima. Adoro mulheres assim, elas guardam muitos belos segredos. Coisa boa de se desvendar. Cámile tinha seus 15 anos nessa época e, vos confesso, era mais madura do que eu. Não se espantem, a educação dela foi melhor do que a minha, só isso! Com todas essas características eu me apaixonei por aquela debutante, e lhe achava linda! Corroía o peito a falta de coragem de fazer uma investida neste romance. Mas vamos ao que interessa...

O mês anterior a essa festa estive em Goiânia e Brasília, nos embalos das revoltas populares em busca de uma reforma agrária para o país. Os detalhes dessa estada lá pelo Centro Oeste eu contarei em outros contos, se vocês permitirem, fanados leitores. Essa estada por lá me rendeu prestigio. Isso mesmo, no século 21 ainda existe isso de viagens a lugares longínquos e famosos lhe renderem status, prestígio, essas coisas tolas, mas necessárias para os jovens. Todos ficaram sabendo de meu paradeiro. Inclusive a Cámile.

Antes de relatar o que aconteceu de interessante na festa, deixem só eu vos contar que a Cámile não queria nada comigo. Ou com ninguém. Eu não teria chance, apesar da vontade!

Continuando meus embalos pelo forró daquela noite, tomei todas as bebidas possíveis de se encontrar por ali. Meia noite, e eu já estava em um elevado estado etílico. Os neurônios já brigavam, mais embriagados do que eu. O organismo ainda forte, apesar de sobrecarregado com a imensa intoxicação. Andava pra lá e pra cá, às vezes acompanhado de uns irmãos, às vezes de uns amigos, mas já sem muita consciência. Não sei como estou contanto isso para vocês, pois não lembro nada mais além do que vou relatar. Nesse ínterim, alguém me encontra na festa e me saúda todo animado.

- Nêgo, tudo bom? Apertou minha mão. Eu nem sabia quem era.

- Maria tá aqui - Continuou o rapaz, todo animado.

- Tá certo rapaz – fingi que entendi o recado. Quem danado era Maria? Sei lá! Até hoje eu me questiono. E no estado que estava, era ruim de imaginar quem era.

Segui a festa. Dancei, bebi mais, pulei, resenhei com um grupo de meninos que estavam comigo. De repente passa por mim uma turma que, apesar dos neurônios combalidos, eu os reconhecera na hora. Eram jovens amigos de algum tempo antes. No meio deles estava Cámile. Minha doce Cámile. Minha animação foi aos céus. Todos me abraçaram. Cámile estava muito surpresa comigo. Todos estavam. Parece que não reconheceram que eu estava para lá de Bagdá. Cámile então balbuciou algo que até hoje eu duvido se entendi por inteiro o recado:

- Nêgo, fica de olho na UFPB...Você sabia que... sabe né? – Pois é caros amigos, várias reticências. Sinal mais que lógico para denunciar meu estado novamente. Mesmo assim eu respondi a jovem.

- Sei sim... Tô sabendo! - Enganei a. Dizia isso sorrindo contente com a presença dela e dos outros amigos. Enfim, nos despedimos por aquele momento, pois eles tinham acabado de chegar por ali.

- A gente se bate por aí. Encerrei e saí.

Fui “curtir” mais ainda a festa. E tome mais álcool no juízo. E tome dançar. Fui pros cafundó de Zé do Brejo. Já estava bêbado às quedas. Guga, um dos amigos mais próximos, também se encantou pela jovem Cámile. Perguntava sobre ela, pedia para eu dar uma força e “ajeitar” o romance, já que eu era amigo dela. Apesar de gostar daquela belezura, eu resolvi ajudar meu amigo. Disse antes a ele que quem deveria ficar com ela seria eu... Mas esquece, ele já tinha me convencido a ajudá-lo.

- Vamos procura-la!? – Ordenei.

- Vamos! Aceitou.

Ele parecia muito ansioso. Eu já lhe havia descrito todas as características da menina. Ele como um sujeito muito curioso, me fazia muitas perguntas. Chegava até a irritar com tantos questionamentos.

- Será que ela vai me querer? Será que ela não tá querendo você ao invés de mim? Eu percebi que ela te olhou de um jeito interessante – insistia o rapaz.

- Sei lá! Só se sabe perguntando - Disse-lhe.

- Então você vai mesmo ajeitar? Perguntou novamente.

Eu já impaciente soltei-lhe essa:

- Você quer ou não, meu amigo? Deixe de muído rapaz!

- Calma! Eu só perguntei. Não precisa esquentar a cabeça. Respondeu-me com seu jeito calmo, apesar de ansioso.

- Vamos procura-la - Ordenei novamente.

Andamos muito pela festa. Ainda bebi uns goles. Guga me pedia pra parar. Eu parei, mas já estava muito ruim. Andamos mais um pouco e encontramos a Cámile junto com seu grupo, sentados debaixo de um barraquinho, todos com semblante de quem já esperava o fim da festa, apesar de estar ainda pela metade. Eles perceberam nossa presença novamente e, um rapaz e uma moça acompanharam a Cámile em minha direção.

- E aí, já curtiram muito? – Indagava Marcelo, o amigo de Cámile. Ela ficara calada.

- Festa tá boa né? – Completava Lúcia, a moça que também acompanhara Cámile.

- Boa toda! Estamos curtindo... Cámile... – falei cortando uma fala da Lúcia.

Guga estava ali ao meu lado. Assim terminei a frase:

- Cámile meu amigo Guga quer ficar contigo. Gostou de você e pediu pra conversar e te conhecer melhor.

Foi a maior cara de desapontamento que já presenciei em toda minha vida. Ela não disse que sim, nem que não. Despediram de nós e saíram os três, cada um mais desapontado que o outro. Não entendi bulhufas do que estava acontecendo.

Desconfiei de algo naquela hora. Saímos dali e fomos para outro lugar. Guga lamentou o caso. Ficava se perguntando o que havia acontecido. Perguntava-me se eu havia entendido e eu respondia que não, mas já com gosto amargo do arrependimento de ter iniciado aquela conversa. Temia o pior. Temia que a Cámile, o desejo meu daqueles tempos, estivesse afim de me namorar e eu houvesse estragado o clima. Puta merda!! Só restaria confirmar o caso.

Mas isso só pudemos saber algum tempo depois. Numa noite em que eu conversava com o Marcelo ele me confirmou aquilo que eu considerei meu maior infortúnio amoroso:

- Mas rapaz... Que mancada tu “desse” naquele dia. Cámile estava querendo namorar contigo. Pediu para nós te contarmos, pois ela estava sem coragem. E você foi dizer que teu amigo queria ficar com ela.

- Rapaz nem diga isso! Eu desconfiei que era isso mesmo, depois que vocês saíram daquele jeito - Dizia eu, tão desapontado quanto eles no momento que vos relatei. Guga estava ao meu lado.

- Tá vendo Guga, bem que eu suspeitei – continuei. Eu estava desesperado naquele momento. Guga ficara calado.

Tentei alimentar a esperança de recomeço. Imaginei voltar à estaca zero e pedir até perdão, mas Marcelo tratou de matar o caso:

- Foi um vacilo danado! Ela disse que não quer mais saber de você.

Fiquei desolado um tempo. Mas esqueci o caso e segui a vida. Estou vos contando, profícuos leitores, filhos de minha alma, por que achei um caso interessante para mostrar que muitas vezes não podemos reclamar da falta de chances. Temos que atentar para a oportunidade.

Outro caso interessante, bem parecido com esse, me aconteceu posteriormente, mas para não cansar-vos eu vou encerrando por aqui. Deixo esse recado como aprendizado: cuidado com as chances, elas estão aí. Se deixarmos fugir por entre as mãos, já era!

Jozias Umbelino
Enviado por Jozias Umbelino em 29/02/2012
Reeditado em 13/03/2012
Código do texto: T3526866
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