Severino bom de lábia

Severino bom de lábia

Severino era um tipo magro, esquálido, esquelético. Tinha quatro ou cinco fios de cabelos na cabeça. Devido a um desvio na coluna, seu corpo apresentava uma curva bem acentuada. Tudo isso foram as marcas deixadas pela sua idade, pois já contava 84 anos, vividos com bastante resistência.

No tempo em que era rapazote realizou muitas facetas em uma região muito atrasada em quase todos os aspectos. Suas proezas eram admiradas por todos devido ao fato de ele não ser um sujeito letrado, mas feito no aprendizado da vida.

Era conhecido na região como mulherengo, bom de papo e boa-pinta. Usava sempre tecidos dessa época como cambraia bordada e linho. Mantinha os cabelos sempre bem penteados à base de brilhantina para que o vento não os assanhasse. Para ele, o cabelo e a vestimenta eram armas fatais na arte da sedução.

Certo dia, fora à casa do seu tio. Chegando lá, havia uma cigana que dizia ler a mão do povo. Quando ela viu Severino logo começou a lhe fazer elogios. Que moço lindo!Que moço importante!

- De onde tu és, garanhão? Qual é a tua graça? Estou vendo um grande futuro em você!

- Deixa eu ler tua mão?

- Não deixo, retrucou Severino.

Por quê?

- Porque eu não acredito em idiotices. Eu sou é um cabra macho do sertão. Já vim com meu destino traçado por Deus.

- Mas não é isso que você está pensando. Olha, vejo muito sangue azul correndo em suas veias. Está borbulhando, quase saltando da pele.

Mas é claro, sua besta. Eu estou vivinho da silva!

- Deixe?

- Não, não e pronto!

- Vem cá, gostosão! Não seja tão resistente à quiromancia!

- Tá bom, mas leia depressa, antes que eu desista dessa minha aceitação.

A cigana começou a mentalizar algo que só ela sabia na sua manha do dia-a-dia. De repente, deu um salto da cadeira de balanço, arregalou os olhos e disse:

- Você é muito bom de mulher!

- Ah, isso eu já sabia, pois ela sempre estão doidas por mim, além do mais tenho um bom baculino.

- Você tem pulsos,mãos e voz muito fortes!

- Isso também eu sei. Os pulsos e as mãos é porque como muito feijão de corda com rapadura, cuscuz e coalhada. Quanto à voz, é porque é de macho. Nunca falei fanhoso e nem fino igual a outros que conheço. Minha voz é como um ronco de leão... Olha, pelo que estou vendo a senhora até agora só está enrolando; até agora só disse o que já sei. Fique a senhora sabendo que ninguém nessas bandas de cá é mais forte, bonito e corajoso do que eu. Eu sou um cabra passado na casca do alho. Eu não penso, advinho; eu não corro; vôo, eu; eu não falo, grito. Comigo, se ficar o bicho não pega; e se correr o bicho não come, porque devoro em questão de segundos. Severino retirou-se, deixando a cigana apaixonada, de boca aberta, impressionada.

Na noite daquele mesmo dia havia um forró pé-de-serra na casa de seu Nan, e Severino fora convidado pelos organizadores. Severino, porém, nem desconfiava que houvesse um plano para acabar com foba dele. Era uma noite de lua cheia. A rasga-mortalha deu aquele grito por cima da casa de onde estava se preparando para ir ao forró.

- Meu Deus, que coisa! Tô com mau pressentimento. Mas se eu não for vão me chamar de cabra frouxo... Ai meu Deus, minha barriga tá doendo! Será que o diabo daquela coalhada que comi estava estragada? . Mas eu vou! Meu Deus, será que eu vou? Foi. Ao chegar, a mulherada já estava lhe esperando em fila para disputar uma dança. A arapuca estava aramada. Dançou, suou, cansou. Lá pela madrugada, Tetê, uma prostituta fogosa e gostosa caiu nos braços de Severino fazendo juras de amor e enroscando a língua nos lábios dele com certa lascividade. Fez-lhe aquele convite, de forma clássica e peculiar do ofício. Logo saíram do salão da festa e foram para uma casinha de taipa, abandonada há algum tempo. Ela despiu-se com certa engenhosidade, própria das mulheres do seu afazer de amante profissional. Naquela altura, Severino tremia mais que vara verde. Sua libido parecia não existir. Angustiado, suando frio ele não conseguia creditar no que estava lhe ocorrendo. Nesse instante, ouviu-se um alarido: cadê o cabra macho?! Por onde anda o garanhão do sertão?! A suadeira, cada vez mais aumentando. - Não é possível - pensava, acontecer uma coisa dessa logo comigo?

Sentiu que era o seu fim; fora envergonhado publicamente e derrotado, finalmente. Adeus fama e prestígio! Severino não encontrou outra saída senão o da esperteza e, tomou uma resolução. Assim, com voz trêmula, saltou longe e disse: - Não posso cometer esse ato, porque estou tomando uns cahcetes que o doutor me receitou. Se eu fizer essa danação, o danado do remédio não faz efeito e ainda por cima posso fica inutilizado!

Avisados por Esmeralda, a cigana desprezada por Severino, escondidos por detrás da casa, estavam todos os gaiatos que armaram para o pobre Severino. Ouviu-se, então, um sonoro coro de gargalhada zombativa. Cadê o Severino bom de briga?! Severino, sem perder a pose, disse: Se não fosse esses cahetes que estou tomando vocês iam ver! Vou marcar outro dia para ver se nego fogo.

Daquele dia por diante, Severino não parecia em público nem nas vendas, nem nas festas. Dizem as más línguas que desabou para outra região, quem sabe, despachar suas novas lábias.

Boscovita
Enviado por Boscovita em 21/01/2007
Reeditado em 25/01/2007
Código do texto: T354337
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