A Força da Fé

     Mesmo sendo meio cético certas histórias provocam um quê de dúvida na gente. Por exemplo a fé, muita gente tem fé, e quando a fé é sincera acho que ela realmente pode fazer milagres, milagres meio esquisitos, mas milagres. Veja o caso a seguir, se foi verdade eu não sei, mas foi assim que me contaram.
     A comunidade de Santa Rita, tranquila e pacata, estava vivendo uma onda de assaltos. Já tinham assaltado a escola, a padaria do seu Miguel, o salão da dona Vivinha, o posto de saúde, a loja do seu Inácio e até a paróquia local!
     Os moradores estavam preocupados, alguns organizaram vigílias noturnas, mas nada de pegar o ladrão ou os ladrões.
     Bem, vivia em Santa Rita dona Candinha, senhora já bem idosa, pra lá de seus oitenta anos bem vividos.      
     Dona Candinha era querida por todos do local, pois já fora parteira e hoje era benzedeira respeitada, mas agora ela vivia muitissimo preocupada pois morria de medo de ladrões e nunca havia passado por aquela situação em Santa Rita antes.
     Por isso dona Candinha sempre rezava para que o ladrão nunca viesse a sua casa e, se um dia viesse, que ele não levasse nada e não conseguisse escapar.
     Aconteceu que certa noite dona Candinha estava mais preocupada que o normal, tão preocupada que um de seus netos foi dormir em sua casa.
     - Calma vó – dizia o neto, um rapaz jovem e bem forte – o ladrão num ia querer assaltar a sinhora não.
     - Ô meu fio, num sei não, eu tô cum presentimento estranho.
     - Então reza vó, reza e fica tranquila.
Dona Candinha rezou. Mas enquanto rezava percebeu que algumas formigas tentavam entrar em casa.
     - Meu fio, faz uma cruz de cinza beirano a porta por causa das correição.
     O neto fez o que a vó pediu, pegou um pouco de cinzas no fogão e desenhou uma cruz perto da porta pra modo das formigas correição não entrarem, era uma coisa que sempre funcionava.
     - Tá feito vó, as furmiga já tão indo embora.
     - Ô meu fio, eu tô muito preocupada ainda, mas mermo assim vou durmi, comi umas bananas que tão em cima do fogão comi. Eu vou continua rezando pra Deus sumi com esse ladrão daqui.
     - Tá bão vó. Bença e dormi cum Deus.
     - Deus te abençoe fio, e dormi cum Ele ocê tamém.
     O neto de dona Candinha comeu algumas bananas, mas como era um pouco lambão jogava todas as cascas pela janela sem ligar para limpeza. A noite foi crescendo e até ele foi dormindo, em cima de uma cadeira na cozinha mesmo.
     Enquanto isso dona Candinha estava no quarto com o terço na mão e o sono leve, até que escutou alguns passos do lado de fora.
     - Ai meu Jesus, é o ladrão!
     Dona Candinha apertou o terço firmemente e começou a rezar fervorosamente para o ladrão ir embora.
     De repente ela ouve um baque do lado de fora, era como se alguém tivesse caído, e depois disso ela ouviu gritos e palavrões.
     - Etá diabo, sai bicho ruim, para de morder coisa ruim! – tinha alguém sendo atacado por alguma coisa do lado de fora.
     Dona Candinha criou coragem e se levantou, foi até a cozinha e acordou seu neto dorminhoco.
     - Acorda fio, o ladrão tá aí fora!
     - Ladrão? – disse o neto.
     Ele levantou depresa, deu uma espiada pela janela e começou a gritar desesperado:
     - Ladrão! Pega ladrão! Pega ladrão!
     A vizinhança inteira foi acordada, logo o pessoal da vigília noturna estava quase todo em frente a casa de dona Candinha e deu todo mundo de pau em cima do ladrão que logo foi dominado.
     Dona Candinha saiu de casa, olhou pro ladrão e na sua bondade ainda falou:
     - Bate nele não gente, ele já tá todo machucado.
     E era verdade, o gatuno havia escorregado em uma casca de banana, caido, quebrado a perna e, se não bastasse, atacado pelas formigas correição que enxameavam o terreiro.
     - É mermo vó – falou o neto – inda bem que eu joguei essas casca de banana aqui, e inda bem tamém que tinha essa furmiga correição. Isquisito né vó, um negócio desse acondice.
     Dona Candinha segurou o terço firme nas mãos e agradeceu mais uma vez a Deus.
     - Isquisito não fio – falou ela – Deus escreve certo por linhas torta, bem torta mermo.


 
Luciano Silva Vieira
Enviado por Luciano Silva Vieira em 04/04/2012
Reeditado em 06/04/2012
Código do texto: T3594534
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