SEXTA DA PAIXÃO

SEXTA DA PAIXÃO

Juliano Paixão, egresso do interior do Estado, deu um duro dos diabos. Órfão de pai e mãe, começou a trabalhar cedo na roça com Manoel Pedro e Zara, negros kilombolas descendentes de bravos guerreiros da estirpe de Zumbí dos Palmares, esses que cuidaram de do mulato Juliano quando o mesmo fora abandonado pela mãe no mercado municipal de Codó, aos oito meses de vida.

Manoel Pedro, casado com Zara há mais de dez anos com quem nunca tivera filhos. Carregaram a sexta que continha o mulatinho e assim formaram uma verdadeira família de Pai,, mãe e filho. Consultaram o patrão, Oduvaldo, dono das terras em que trabalhavam sobre a criança encontrada, de quem ouviu a seguinte conversa; Compadre, pegue esse bilhete e vá ao Cartório que o Zé sabe o que fazer, de lá você vem com a certidão como se seu filho fosse. Manoel resolveu colocar o nome de Juliano Paixão, mas porque Paixão? É que a criança havia sido encontrada na sexta feira da paixão. Fizeram de conformidade com as orientações de Oduvaldo e, partir de então a vida do casal era só felicidade. Mesmo pobres deram tudo o que podiam para fazer a vida de Juliano mais feliz. Entrementes, o menino os acompanhava desde cedo na exaustiva labuta diária da roça. Saiam de madrugada e só retornavam ao entardecer, cansados. Juliano frequentou a escola publica quando chegou a época, aprendeu a ler e escrever, coisas que seus pais apenas sonhavam, mas Juliano revelou uma rara inteligência, com o passar dos anos abandonou a roça, começou a trabalhar com Linhares, um Cearense que editava um dos muitos Jornais de cidades pequenas e que tratam de escrever para políticos e personagens da sociedade que visam notoriedade ou uma foto na coluna social em noite de gala, ou foto em evento local. Juliano era homem de confiança de Linhares, levava correspondências, recebia, depositava importâncias, lia e respondia email´s, varria as dependências do Jornal e até cozinhava, mas começava a escrever versos acanhados com temas poéticos que falavam de amor.

O tempo era um vento forte soprando no horizonte de muitas ideias, agora, Juliano homem feito, com diploma do segundo grau do Colégio Codoense, pegou o salário do mês, despediu-se dos pais e, empreendeu viagem à Capital, A Ilha do Amor, Capital do Regaee, Patrimônio da Humanidade que há anos acalantara um sonho juvenil de ver o mar, o por do sol na península da ponta d´areia e provar a água daquele marzão, saber se era diferente da água do Rio Itapecurú e se era realmente salgada. Durante o percurso da viagem sonhou e acordou na Rodoviária de São Luís, onde foi recebido por João Neto, que o ajudou com a mochila, o *cofo de macaxeira e o de farinha da roça. Tomaram o coletivo e foram para o Bairro da Liberdade, casa da tia Xica, uma vidente da Umbanda que adivinhava o futuro , fazia previsões e que o abrigaria pelo resto dos dias. Após os cumprimentos, sentaram à mesa para jantar um caldo de sururu e depois se reuniram na calçada da casa para conversar. Finalmente, todos entraram para ver TV, ficando somente Juliano e a Tia Xica confabulando. Tia Xica de repente entrou em transe por minutos e disse: Juliano, meu filho, evite o motor de duas rodas, mas logo voltou e Juliano perguntou: o que a Senhora disse? Quem, eu! Nada meu bem, vá dormir.

Na capital, Juliano trabalhou muito, distribuiu jornais, vendeu verduras e bananas nas feiras e estudou, até finalmente passar no vestibular para Direito na Universidade Federal. Agora trabalhava para uma rede de farmácias onde desempenhava o papel de almoxarife. Ganhando um pouco mais, adquiriu uma motocicleta Honda 125 cc, tirou licença para pilotar e dessa feita a vida começava a lhe sorri, esse ano não passaria a semana santa no interior mas mandaria vir os pais, afinal, já faziam três anos que ele havia comprado uma casinha na Vila Pirâmide e arrumado ao seu modo. Manoel Pedro e Zara não mais trabalhavam na roça e sim, tinham um comercio no Codó Novo, patrocinado por Juliano.

Manoel Pedro e Zara vieram na segunda feira, trazendo guloseimas do interior. Juliano, por sua vez, já vivendo os costumes recém adquiridos, comprou bacalhau, camarão seco e até pescada amarela. Seria uma fenomenal CEI para uma família que até agora havia sido privada de tudo o que fosse felicidade...

Finalmente, sexta feira santa, um dia qualquer do mês de abril, após a mesa posta , ele falou: meus pais, está faltando alguém. Zara perguntou quem, meu filho? Rosa a minha noiva, vou busca-la. – Vá meu filho. Juliano acionou o acelerador da Honda 125, vermelha e já ia às alturas do Farol do Araçagí, quando uma camionete Hilux entrou na contramão, colhendo Juliano e a moto, jogando-os a longa distancia. Chamado a ambulância do SAMU, morte confirmada. Revolta de Rosa que se culpava, Zara e Manoel Pedro ante o corpo inerte do rapaz, ainda no acostamento da estrada. Eles choravam, blasfemavam contra Deus e queriam o atropelador morto. Eis que surge um homem negro, com tranças rastafári, roupas alegres e uma expressão seria e, se postando entre eles, sem ser visto pelos demais curiosos diz: o que vocês estão fazendo? Ora senhor, nosso filho, meu noivo é esse que está aí no chão. E daí, respondeu o estranho e disse: escutem vocês pais queriam muito um filho e eu a vos dei, ele deu a vocês muito mais que bens, ele encheu as suas vidas de alegria porque ele era o amor. E você, moça, alguém antes dele te respeitou como mulher, te amou, te quis mais que a si próprio? – Não senhor! Então essa sexta feira eu sentirei sempre, porque eu sou eterno, porém, vocês apenas mais algum tempo, então, de quem é a dor maior?