O bigode do Ernesto
A turma estava animada no salão do barbeiro. Sábado à tarde, hora de relaxar, fazer barba, bigode, cabelo e contar piadas. Piadas de salão. De barbeiro.
Meu pai na cadeira e o Bruno caprichando na navalha. Lá no fundo o Caboclinho, sentado no banco de sempre, a tudo escutava com atenção e ria. Ria muito. Todo dia tirava sua horinha de salão. Não sei ao certo se era empregado do barbeiro ou um rapazinho que ele estava acabando de criar. Muito ingênuo e tímido, quase não falava. Mas naquele dia saiu-se com esta:
- Eu queria ter um bigode bonito como o do Ernesto.
Todo mundo silenciou. Finalmente o Caboclinho dissera algumas palavras. Muitos nunca tinham ouvido a voz dele.
Passando a mão no rosto quase imberbe, repetiu o elogio,
- O bigode do Ernesto é bonito...
Lisonjeado, mas sem perder o vício de fazer troça com tudo e com todos, meu pai não perdeu a oportunidade:
- Caboclinho, para ter um bigode igual ao meu dá um pouco de trabalho, mas não é difícil. Se quiser eu lhe ensino.
- Como é que se faz?
Os fregueses permaneceram atentos, mas antecipando algumas risadas porque sabiam que vinha besteira.
- Você tem de passar titica de galinha preta. Mas tem de ser quentinha, logo que sai da galinha. Com o dedo, deve esfregar na parte interna do lábio. Devagar, fazendo massagem.
- Dentro da boca?
- Isso mesmo, e bastante. Quanto mais passar, mais bonito será o bigode.
O caboclinho soltou uma risada gostosa e todo mundo riu com ele, dando o assunto por encerrado.
Sábado seguinte. Meu pai mal colocou os pés no salão e já foi recebendo uma bronca do Bruno.
- Ernesto, cuidado com as besteiras que você diz.
- Mas que besteira falei, homem?
- Lembra-se da história do bigode, da semana passada?
- Claro que me lembro, mas foi só uma brincadeira. Nunca usei titica de galinha para ter bigode.
- Você, não. Mas...
- Conhece alguém que usou?
- Dia desses um alvoroço no galinheiro. As galinhas cacarejavam sem parar. Fui ver o que se passava e sabe quem estava lá espreitando a galinhada?
- Já estou imaginando...
- Pois é. Você falou bobagem e o Caboclinho acreditou. Acocorado, só na espreita. Perguntei o que fazia no galinheiro. Respondeu que esperava a galinha preta cagar, porque o Ernesto tinha falado que para bigode bonito precisava ser titica quentinha, feitinha na hora. E de galinha preta.
O Caboclinho aboletado no seu lugar de sempre. Rindo e assentindo feliz com a cabeça. Não se sabe se confirmava e ria da própria ingenuidade ou se aprovava e ria da bronca que o Bruno dava. E que o meu pai, incrédulo, recebia.
No fim, todo mundo acabou se divertindo. Inclusive o Bruno. E as velhas piadas de salão de barbeiro mais uma vez renovavam-se em uma nova tarde de sábado.
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N. do A. - Na ilustração, Barbeiro de Norman Charles Blamey (Inglaterra, 1914-2000).