Aconteceu na cidade de Lagoa do Mel na Região do Agreste de Pernambuco. A cidade ganhou esse nome pela grande quantidade de apiários que lá existia num passado próximo. Hoje mal se encontra uma velha casa de arapuá. O amigo e correligionário de partido Edson Neves foi convidado pelo prefeito da pequena cidade, que já foi doce, para integrar o seu secretariado. Edson tinha participado ativamente da coordenação da campanha vitoriosa nas eleições municipais daquele ano.

Edson assumiu a Secretaria de Saneamento e Meio Ambiente, que entre suas atribuições estava o comando sobre o cemitério. Velho cemitério, entupido de defuntos e mal assombrado. Lá ninguém se arriscava entrar a noite.

Não havendo mais espaço para enterrar defunto no chão – não cabia mais nem em pé, quanto mais deitado. Edson mandou construir um lance de gavetas para empurrar os defuntos que fossem aparecendo e mandou que o coveiro fosse desenterrando os defuntos mais velhos e enchendo as gavetas com os ossos. Se algum parente aparecesse e quisesse levar seu defunto para casa também podia. Pouca gente apareceu para levar.

O coveiro era Miro que, como todo coveiro que se preza, trabalhava o dia todo embriagado. Mas era um coveiro respeitado como a maior autoridade da cidade. Prendeu, ninguém soltava.

Um belo dia do verão de 1889, a madre superiora do Colégio das Freiras tomando conhecimento que podia resgatar os ossos de sua irmã para enterrar no quintal da igreja, comparece a prefeitura de Lagoa do Mel para solicitar a autorização e transportar sua ente querida para um descanso final. Chegando a prefeitura procurou a secretaria responsável e deu de cara com o companheiro secretário.
Bom dia doutor Edson!
- Bom dia irmã! Posso servi-la.
- Pode sim, meu filho. Eu quero autorização para retirar os ossos de minha irmã, para que possa enterrar no jazigo da igreja do colégio – era um colégio de freiras.
Edson viu logo que estava numa gelada. Como separar os ossos e logo de uma freira?
Espere um pouco irmã. Vou ligar para o coveiro e ele traz aqui e lhe poupa o trabalho de ir até o cemitério.
- Lhe fico grato, diz a madre.

Edson se afasta para uma sala distante e liga para o cemitério.
Alô! Responde do outro lado da linha.
- Quem ta falando? Pergunta Edson.
- É a alma de Bastião. O doutor deseja falar com quem?
- Com Miro, diz o secretário todo arrepiado.
- Ta vivo ou ta morto?
- É o coveiro.
- Vou chamar.

Chega Miro. Alô! É o doutor secretário?
- Alô seu Miro, meus respeitos! Tou precisando de sua ajuda para resolver um problema aqui na prefeitura – Miro era a maior autoridade do lugar. Prendeu, tava preso mesmo.
- Pode falar doutor.
- Abra aí uma gaveta daquelas cheias de ossos e me arranje a ossada de uma mulher. Trata-se de uma freira que foi enterrada aí e a irmã veio buscar os ossos.
- Mas como vou descobrir os ossos de uma freira Doutor?
- Não se preocupe. Traga ossos suficientes para fazer uma mulher.
- Ta certo, doutor. Em meia hora chego aí.
Não demora, chega miro cansado com um saco de ossos nas costas e coloca sobre o birou do secretário. Os ossos exalavam um cheiro terrível. Miro não ficava atrás. O saco dava para fazer uns três defuntos. A madre começa a tirar os ossos de dentro do saco e desconfia que não sejam da irmã. Edson também observava que o barco tava furado.
Cadê a medalhinha que ela levou no pescoço quando se enterrou? Indaga a madre.
- Caiu irmã, ou deve ter ficado presa na gaveta.
- Você trouxe os ossos certinhos como mandei?
- Trouxe sim doutor. São os ossos da freira mesmo. Tavam todos separadinhos numa gaveta. Parecem que tavam esperando a dona chegar.

A madre, que não era nada de besta, começa a examinar os ossos e descobre que o fêmur, um enorme fêmur, não era um osso de mulher.
- Vem cá Miro. Tem um osso errado.
- Cadê?
- Isso é osso de homem.
- É não doutor. Explique pra ela que com o tempo de muito sol o osso cresce dentro da gaveta. Mas é de mulher mesmo. Eu tenho trinta anos de coveiro. Nunca me enganei com um osso.
- Esse coveiro é doido! Exclama a freira. Vou procurar a Justiça.
-Tem razão irmã. Mim dê apenas dois dias que vou descobrir onde realmente guardaram os ossos da sua companheira. E de imediato vou aposentar esse coveiro. Já temos outro treinado para assumir o lugar.
A madre concordou e saiu resmungando...
Miro nunca mais voltou no cemitério e a prefeitura de Lagoa do Mel está até hoje sem secretario de Meio Ambiente.

limavitoria
Enviado por limavitoria em 07/02/2007
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