Dossiê modorrento sobre um assédio moral

A AGENDA - Um dossiê modorrento

A famosa e tão cobiçada agenda, que todo mundo quer e ninguém a rigor usa, é sempre um livro bonitinho, bem encadernado, com capa colorida, enfeites dourados, plastificada, personalizada com a gravação de uma bela e bem elaborada logomarca.

Geralmente ela chega até você como presente de final de ano de algum fornecedor gentil, ávido por cobrir os clientes de atenção, fazendo-os lembrar-se que ele (o fornecedor) existe, durante todos os dias do ano.

A rigor, francamente, é um livrinho danadinho, que vive atazanando a vida da gente. Quando você o usa, rigorosamente se torna uma pessoa metódica e escravo de um simples bloco de papel, que fica ali ostensivamente sobre a sua mesa ou pior e mais enfadonho quando se obriga ou obrigam você a carregá-lo pra baixo e pra cima, sem falar no fato de que hoje existem os celulares, iPads, etc que fazem um trabalho muito mais eficiente.

Um perigo enorme nas mãos de uma pequena autoridade (a sua secretária, por exemplo) que passa a comandar a sua vida, através daquele horrível e ensebado livrinho geralmente de capa preta. Corre o risco ainda de tornar-se uma pessoa extremamente antipática, quando se distrai e diz para um cliente Amigo, que vai consultá-la. Essa frase, “estou agendado” pode significar o fim de uma relação pessoal ou comercial, ou, no mínimo estremecê-la. Existem métodos mais eficientes e gentis para se dizer um não.

Torna-se assim, um presente de Grego ou um objeto de desejo dispensável. Portanto, muito pior, quando você mesmo(a) toma a iniciativa de entrar numa papelaria e comprar tal "espinho".

Uma vez, me lembro bem, e jamais me esquecerei, telefonei a um amigo meu, dando-lhe parabéns pelo seu aniversário e mencionei que havia consultado a minha agenda. Ele imediatamente, ironizou-me, dizendo-me prontamente, que nunca precisou dela, para se lembrar do meu.

Tem gente, que usa, esse tal livrinho a vida toda e sempre pergunta com cara de pau, ou de ignorante mesmo, se o mês de julho tem 30 ou 31 dias. A gente aprende essas coisas no curso primário e nunca mais esquece. Sem falar no fato de que minhas filhas sempre escondiam suas agendas escolares de mim e eu sempre fingi que não percebia esse fato. Certa vez, uma delas se aproximou e perguntou curiosa: Pai, porque você não examina a minha agenda escolar? – A professora está cobrando seus “vistos”.

Mandei um recado para a professora que me pedisse qualquer coisa, menos isto.(rs)

A Agenda portanto, exceto em alguns casos específicos, é o livrinho do óbvio ululante, onde você a rigor, escreve coisas que está cansado de saber, que vai ter que fazer. Se agenda valesse alguma coisa, médico não faria você esperar 2 ou 3 horas em consultórios de luxo, com secretárias etc. – Aliás o meu primeiro cardiologista aqui em Goiânia, provocou em mim, certa vez uma reação inusitada, quando me fez esperar por diversas vezes em consultas diversas, por mais de 2 horas. Eu nunca mais voltei em sua clínica e andei por um bom tempo com um adesivo que mandei fazer e afixei no vidro traseiro do meu carro que dizia :

“Não seja tão "paciente", dê ao seu médico, um relógio e uma agenda de presente”.

Em determinada fase da minha vida profissional, impuseram-me de forma absoluta, o uso do tal livrinho como medida disciplinadora, e eu, passivamente, como todo funcionário exemplar, embora já naquela altura bem graduado, fiz um esforço muito grande para não me rebelar, (ou chutar o balde, como diria um ex-amigo meu) e cumpri rigorosamente a ordem portanto aquele bloco de papel nojento. (Foi por volta de 1981).

Mas fiquei, confesso, durante muito tempo, em clima de perplexidade, de revolta, olhando para aquela coisa ignóbil, sobre a minha mesa e ficava apavorado, só de pensar, que eu teria que carregar aquele livro esdrúxulo para as reuniões ou mesmo para despachos informais, mantendo a calma e a aparente fisionomia de submisso conformado e aceitando uma espécie de castigo administrativo.

Na verdade, eu não podia escrever metade do que eu ouvia.

Pior ainda, não deveria escrever muitas coisas que eu gostaria de dizer e não dizia. E sequer, poderia colocar ali o meu ponto de vista, caso fosse contrário àquela instrução recebida por exemplo na reunião do dia.

Mais ou menos aquela historia da caixa preta ou mais exatamente o espelho da imprensa Brasileira, que vive ás custas dos comerciais do Governo – Caixa, Bco. Brasil, Ministério da Saúde, da Educação e até o tribunal eleitoral que convoca mesários pela TV. (o que eu acho um absurdo) e assim não pode falar mal do governo. Igualzinho a certos jornalistas que são convocados para comandarem a sala de imprensa e em se tratando de cidade do interior, a coisa se complica mais ainda.

Mas enfim, depois de algum tempo de uso deste cansativo documentário, houve dúvidas se na conversa de tal dia, teria sido combinado realmente aquilo que eu havia executado. Eu verifiquei, disse que sim, e mostrei que estava escrito na agenda.

Aí, veio o comentário:

Amigo, “papel aceita tudo”. Eu não falei isso, ou devo ter tomado algum comprimido para dormir e não sabia o que estava dizendo.

Ponto final. Revogue-se.

Apesar de tudo, alguns meses depois, após mais alguns incidentes parecidos, eu continuaria sempre portando aquele livrinho ensebado e ridículo debaixo do braço, firme e obediente.

Um belo dia, após um bate papo exacerbado, do tipo “há controvérsias” , sai, como sempre aborrecido da reunião com aquela maldita agenda, e fui tomar umas e outras. (Eu não usava comprimidos para dormir) e mesmo assim, me esqueci de comparecer no dia seguinte, com a dita cuja debaixo do braço.

Fui cumprimentado, com um sorriso irônico, mas profundamente aliviado e não fui advertido.

Percebi com minha razoável inteligência, que as circunstancias haviam decretado o fim daquele maldito dossiê.

Afinal a minha pequena Facit de manivela já havia sido aposentada e já estava nascendo aquela máquina maravilhosa que modificaria todo sistema de comunicação no mundo inteiro que foi o computador:

Um feliz cruzamento de uma TV, com uma máquina de escrever e uma calculadora, enfim uma das surubas eletrônicas mais felizes dos últimos tempos. E eu obviamente tinha que me inspirar naquela revolução e me libertar daquelas algemas.Mas como ?

Mais alguns dias, outro incidente:

Falei, não falei, Etc. e Veio a clássica pergunta:

-Só por perguntar – Está anotado na agenda ?

-Não Sr. Não anotei.

-Ótimo Amigo, O Sr. deve aprender a falar mais e escrever

menos.

-Fiz melhor, Sr.Diretor, com todo respeito, joguei-a no lixo.

(Gargalhadas)

E assim, nunca mais se falou na tal Agenda.

E eu, que a partir dai, jamais voltaria a utilizá-las, aprendi pelo menos a fazer crônicas.(rs)

Luiz Bento (Mostradanus)
Enviado por Luiz Bento (Mostradanus) em 23/06/2012
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