O Rancho da Pimenta


     Há muitos anos atrás, os tropeiros faziam o trajeto das cidades de Formiga, Arcos, Bambuí, Piumhi e outras cidades da região em direção a um porto que existia em Santo Hilário, onde passava o Rio Grande. Esse porto tinha o objetivo de escoar e receber mercadorias. As tropas vinham carregadas de mercadoria da região como milho, gado, porco, banha, casca de barbatimão, galinha, peixe, entre outros produtos que descarregavam no porto. Também carregavam outros tipos de mercadoria como querosene, remédio, sal, tecido, ferramentas, utensílios de alumínio... Enfim, produtos manufaturados para o trajeto de retorno.
     Durante o percurso, paravam em vários lugares para darem água aos animais, fazerem suas comidas e descansarem. Sempre escolhiam os mesmos pontos para passarem a noite e um desses pontos era às margens de um pequeno córrego na fazenda do Sr Rufino.
     Para atender à necessidade dos viajantes, foi construído um rancho às margens desse córrego, que cortava um serrado onde era nativa a pimenta Cumari. Para identificarem qual ponto do trajeto iriam dormir, ou para se encontrarem com alguém, os tropeiros davam aos ranchos o nome de alguma peculiaridade da região. Então, a esse rancho foi dado o nome de “Rancho da Pimenta”. Como o lugar tinha bom pasto para os animais e água abundante de boa qualidade, os tropeiros, mascates e viajantes sempre paravam ali para dormir, mascatear e descansar.
     Muitos destes tropeiros faziam a rota até o porto de Santo Hilário. Para chegar até lá, havia uma passagem estreita entre montanhas (Serra da Pimenta), onde as pequenas estradas que proviam de outras localidades terminavam ali e recomeçavam do outro lado. Nesse ponto, como era passagem obrigatória para quase todos, o governo fazia a cobrança de impostos de todas as mercadorias. Com o tempo, e no intuito de cortar caminho e fugir da cobrança de impostos, fizeram outra picada muito estreita, perigosa e de difícil acesso, na qual passavam durante a noite para não serem vistos. A ideia dessa picada era dar mais lucro ao dono da tropa e aos tropeiros, pois poderiam dividir entre eles o dinheiro que o dono da carga entregava para pagar os impostos.
     Numa certa ocasião, veio uma tropa carregada de mercadoria da cidade de Formiga, que combinou de se encontrar no Rancho da Pimenta com uma tropa um pouco menor para irem descarregar no porto de Santo Hilário. Essa grande tropa, carregada com apenas dois produtos muito comuns no arraial da Pimenta e na cidade de Formiga, resolveu a passar por este caminho à noite para fugir dos impostos. Com muito medo e cuidado os tropeiros se aventuraram por esse caminho. Não era comum passar por ali com uma tropa muito grande, pois não dava para vigiar todos os animais ao mesmo tempo e, se estragasse a mercadoria ou perdesse algum animal, era por conta dos tropeiros. Depois de muita tensão, conseguiram passar pela parte mais difícil e perigosa, então toda a tropa se reuniu novamente e comemoram o fato.
     Nesse exato momento, apareceram vários policiais acompanhados de um fiscal e, com tochas e candeeiros acesos, abordaram a tropa grande. O susto foi geral, pois os tropeiros não esperavam por isso.
     O fiscal muito bravo, se achando o dono da situação, exigiu falar com responsável pela tropa. Perguntou para ele na maior falta de educação o que estava carregando. O encarregado dos tropeiros, meio trêmulo e gaguejando, respondeu que era “banha de Formiga” e “casca de Pimenta”. O fiscal ficou muito ofendido e, desgostando do que ele supôs ser uma sacanagem, mandou prender o tropeiro. Além de estar tentando burlar a lei para não pagar impostos, queria tirar sarro da cara de uma autoridade. Só aí, um dos tropeiros percebeu o engano que estava acontecendo e pediu ao fiscal para explicar. O fiscal muito bravo e acobertado por policiais armados não quis dar ouvidos e ameaçou prender todo mundo. Então, o tropeiro gritou alto para todos ouvirem “É banha de porco da cidade de formiga e casca de barbatimão, usada para curtir couro, do arraial de Pimenta”. O fiscal não acreditou na gafe que tinha cometido e todo mudo caiu na risada com o acontecimento, pois uma tropa daquele tamanho tirar banha de formiga e casca de pimenta para carregar era coisa impossível mesmo. Depois de verificar qual era realmente a carga que estavam carregando, o fiscal ficou um pouco envergonhado com os excessos que cometera e acabou deixando a tropa ir embora sem cobrar os impostos. Na verdade, tais produtos nem tanto valor tinham e o fiscal havia abusado de sua autoridade.
     Com o tempo foram aparecendo outros ranchos, já que havia necessidade de espaço, pois, a cada dia, paravam mais pessoas. Essas pessoas reparavam as ferraduras dos animais, reorganizavam as cargas, compravam e vendiam, carregavam e descarregavam os carros de bois, cavalos e mulas. Os violeiros afinavam as suas violas, os cantores as suas gargantas e os peões ajeitavam as suas traias. Depois, foram aparecendo as primeiras casas e comércios para atender à necessidade dos fazendeiros locais e viajantes que passavam por ali. Várias famílias foram criando raízes e começaram a chamar a localidade de Arraial da Pimenta, que muito tempo depois se emancipou, tornando-se a cidade de Pimenta.
     Esse causo saiu de boca em boca, era contado pelos tropeiros da região e, com o ocorrido, o Arraial da Pimenta não poderia ter outro nome no futuro a não ser Cidade de Pimenta. Muitos anos depois, veio a represa de Furnas que inundou o córrego, parte da Cidade de Pimenta e todo o arraial de Santo Hilário, acabando com o porto. Foram construídas pontes e estradas, o que modernizou o transporte da região. Com isso, foi acabando a profissão de tropeiro e as tropas pararam de percorrer a região. O antigo Zé Carreiro e também apelidado de Mazaropi (apelido falado apenas nas suas costas) foi quem me contou essa história que ouviu de outros carreiros.


Kennedy Pimenta