VAIDADE PARA QUE TE QUERO...

VAIDADE PARA QUE TE QUERO...

O Salvador morreu! Resmungava a Cecília, enquanto andava para lá e para cá. Da cozinha, para a área, parecia uma barata tonta. Abrira o armário três vezes, olhava para a velha lata, onde guardava o pó de café, e não conseguia atinar, que era aquilo mesmo que ela estava procurando. Continuava para o marido, que estava calado, digerindo a triste notícia. Eu não vou suportar! Como vou fazer? Não estou acreditando no que o Zezinho acabou de contar ao telefone. Pobre Salvador! Tão bom, foi um excelente cunhado, devo-lhe tantas coisas. Pobre do meu filho ficou sem padrinho.

Por fim, Cecília conseguiu fazer o café. Serviu a mesa, e correu para o quarto. Demorou um pouco, procurando algumas coisas que iria precisar. A Sonia, sua nora acabara de chegar com o Zezinho e os quatro netos, todos os meninos, levados e agressivos. Eles chutavam tudo, lata, bola, cachorro, planta, sofá, televisão, parecia que estavam sempre brigando, se agarrando, se matando. Só paravam quando a avó paterna os colocava de castigo, sentados no velho sofá todo perfurado pelos dedos e sapatos dos meninos da Sonia e do Zezinho. A notícia correra pela família como um relâmpago. Duas horas depois a Cecília ainda estava trancada no banheiro ao lado da sala.

A Sonia, a Célia sua filha caçula, e o Pedro seu filho mais velho, já estavam nervosos com a demora da senhora no banheiro. A Célia bateu na porta perguntando: Mãe? Tá tudo bem?

Ela respondeu com voz nervosa: Não perturba, já estou terminando. Uma hora depois, finalmente a Cecília abriu a porta. Para surpresa de todos, não parecia ser a Cecília. Estava toda arrumada. Tinha tingido o cabelo e feito escova. Caprichara no esmalte das unhas dos pés e das mãos, estava maquiada, enfim pronta para ir ao enterro.

A Sonia quebrou um pouco sua euforia ao avisar que o corpo do cunhado, ainda ser autopsiado, devido às circunstâncias de sua morte. Assim mesmo, a Cecília não se intimidou e respondeu: Tenho que estar bem, pois vou encontrar muitos parentes, você sabe como é nessas ocasiões.

Estava quase na hora do almoço, e os meninos famintos, já tinham devorado todos os biscoitos do armário, arrancados às últimas bananas do cacho que estava pendurado na área de serviço, e começaram a chutar o velho sofá na esperança de que com o barulho a avó fosse para a cozinha preparar o almoço. Depois de tanta confusão, a Célia que detestava cozinhar, ainda mais quando toda a família estava reunida, pois era um batalhão, ela apresentou-se na cozinha e começou a fazer o almoço, sem antes fazer muitas caretas e odiar a ideia de ter vindo para a casa da mãe, comentar a morte do tio.

À tardinha a família foi para o velório. A Cecília estava tão pintada que mais parecia uma meretriz, até salto alto ela calçara. O marido a acompanhava calado, sem comentar. Dizia que estava muito chocado, mas pensava consigo mesmo: Finalmente minha irmã Cacilda, livrou-se desse peso, o safado que não podia ver rabo de saia, que não se engraçasse. Mexia com todas até mesmo com as noras. A sorte é que não tivera netas, sabe-se Deus o que ele faria. Tinha dois filhos e oito netos. Dois meninos do filho mais velho e seis meninos do filho caçula. Os parentes diziam que naquela parte da família só dava macho.

Cacilda a pobre viúva estava num canto ao lado das noras. Sorridente e muito feliz. Iria finalmente gozar de liberdade merecida. O finado era um peso que ela carregava desde que sofrera o AVC dava-lhe muito trabalho. A Cecília continuou lamentando a morte do pobre

Cunhado, enumerando suas qualidades e bondade, tomando muito cuidado para não gastar o batom dos lábios, e espiando para ver se o esmalte continuava nas unhas. De meia em meia hora, ela ia até o banheiro feminino da capela do cemitério para ajeitar os cabelos, colocar perfume, e passar hidratante nas mãos. A Sonia nem estranhou o excesso de vaidade da velha senhora. Lembrou-se do dia do seu casamento. A sogra estava mais enfeitada do que árvore de natal, e seu vestido excedia em luxo e glamour, até mesmo ao seu vestido de noiva. Ficou imaginando, qual seria o traje que ela usaria no dia seguinte para o enterro. Certamente, algo preto e caro, pobre das economias do sogro, seriam gastas até o final, na compra de roupas novas para a Cecília usar no enterro, outras peças para a missa de sétimo dia, e mais outras tantas para a missa de trigésimo dia.

Era sempre assim, quando casava alguém ou morria um parente, ela apresentava-se como uma verdadeira dama que sempre tinha sido desde os tempos que o marido a tirara da difícil vida fácil.

Aradia Rhianon
Enviado por Aradia Rhianon em 29/07/2012
Código do texto: T3802668
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