O MOTIM

= M O T I M =

Ninguém sabia como a notícia se espalhara, o certo é que todos, na cidade, estavam em polvorosa.

Os alemães atacariam a qualquer momento.

Manoel de Oliveira, comerciante português, estabelecido na Rua Califórnia, coordenava a defesa. Homens maiores de 18 anos deveriam comparecer à reunião, marcada para 20:00 horas, na casa do líder.

Ninguém deveria faltar, porque “os inimigos” eram terríveis. Alguns eram de estatura elevadas. Dizia-se que um deles tinha mais de dois metros de altura e era violento.

João Terra, dono de uma birosca na Rua Direita, tomou a palavra:

Vejam vocês, caros amigos, os colonos são de boa índole, mas, o que a Companhia está fazendo com eles é de amargar.

Mandou buscá-los lá na Alemanha, contratando-os para o serviço de construção da estrada, vendeu para eles “prazos” de terras, a longo prazo, sem juros e agora, ameaça cobrar deles judicialmente a dívida em atraso.

Por que atrasaram o pagamento, então? Questionou um jovem.

Ao assentar os colonos nas terras da Colônia de Cima, continuou João Terra, a Companhia garantiu que a produção agrícola deles, seria integralmente comprada pelos moradores da cidade.

Ocorre, que as terras da Colônia são péssimas para o plantio, e, na cidade, a grande maioria dos moradores tem a sua horta mantida pelos escravos.

Como pouca gente adquire as frutas, legumes e verduras oferecidas pelos colonos, a renda deles é escassa, logo ...

Gumercindo Passos, dono de uma “venda”, também na Rua Direita, arrematou:

- Semana passada, um grupo deles chegou até a minha “venda” e queriam comprar mantimentos, sem pagar. Diziam que era para mim cobrar da Companhia. Como não posso sobreviver vendendo fiado, neguei, é claro!

O grupo, já irado, foi então até ao armazém do Coronel Marcelino, com a mesma conversa fiada. Não logrando êxito, ameaçaram, que assim não podiam continuar. Uma noite dessas, viriam, às centenas, saquear e pilhar todo o comércio.

Era por isso que estavam reunidos: para tratar da defesa da cidade.

A notícia, não se sabe quem a lançou, era que, nesta noite, que não era lua cheia, quando a escuridão lançasse seu negro manto sobre a cidade, o ataque começaria.

Todos à postos, armados com mosquetões, espingardas, paus e foices, atrás de barricadas, na rua principal, única entrada da cidade, os valentes, tremendo de frio e medo, aguardavam o pior.

Passou a noite, a alvorada já raiava e nada aconteceu. Tudo calmo nas redondezas, quando um corajoso apresentou-se para ir até a Colônia verificar “in loco” a situação.

Era Manoel Tobias, um jovem que conhecia muitos colonos e inclusive estava de olho numa loirinha de lá.

Com muitas recomendações, todo precavido, lá se foi ele.

Logo no início da Colônia, ao passar pela Cervejaria dos Scoralick, sentiu ainda o cheiro do “néctar dos deuses” no ar. Lembrou-se que, ainda no sábado passado ali estivera com alguns amigos para o baile semanal.

Era uma beleza, as moças ficavam sentadas à esquerda, nos bancos e os rapazes, de pé, à direita, trocando olhares furtivos com elas. De repente, um rapaz mais afoito aproximava-se e chamava a moça para a dança. O conjunto de sanfona, sax e violão, animava a festa.

Na cidade, aquele baile semanal era conhecido do baile do “Xa tem Xacó”.

Era porque, quando uma moça não queria aceitar o pedido de dança de um rapaz da cidade, sempre respondia: - Não, “xá tem xacó”.

Isto é, ela já estava comprometida com o Jacob.

Passou pelas primeiras casas, onde o cheirinho de café e do pão caseiro enchia o ar. Viu, de longe, alguns colonos que se dirigiam ao campo para o serviço. Continuou adentrando as ruas e nada de anormal.

Passou pelo pequenino Hernn Clemens, que nesse momento passava pelo grandalhão Hernn Krepke e o cumprimentava, como sempre, naquele tom jocoso:

Como vai, Betin Teiado!

Ao que ele respondia, no mesmo tom, sempre sorrindo:

Tudo bem, Chiquin Sentado!

Isso já demonstrava que tudo estava em ordem por ali.

Ainda com receio, bateu na casa de Henrique, um jovem como ele, que naquele momento estava saindo para o trabalho e perguntou-lhe pelo tão falado ataque à cidade.

O rapaz, passando a mão pelos louros cabelos que teimavam em sair do boné, soltou uma sonora gargalhada, ao saber que na cidade passaram a noite em alerta, esperando a invasão.

Chamou seu pai, que ainda tomava café, e, entre uma caneca do gostoso café colono e um generoso naco de pão alemão, ficou sabendo de tudo:

Realmente um grupo havia ido até a cidade reclamar das condições da Colônia, asseverou Hernn Phillip Clemens, pai de Henrique. Diziam até que chamariam um representante do Imperador Prussiano Guilherme I, para resolver a pendenga. Soubera que até alguns mais exaltados haviam se excedido, ameaçando os comerciantes. Mas isso foi só conversa fiada, fruto da cabeça quente e de umas doses de “schnaps”, nada mais.

Voltaram os três, Manoel Tobias, Henrique e o pai, Phillip, de braços dados, cantando canções tirolesas, que ecoavam pelos montes, até a cidade, para desfazerem o mal entendido e reatarem os laços de amizade que sempre uniram os colonos alemães e os citadinos.

COLÔNIA D. PEDRO II – JUIZ DE FORA – MG.

JULHO/1865

VICENTE DE PAULO
Enviado por VICENTE DE PAULO em 09/08/2012
Reeditado em 16/01/2022
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