ORAÇÃO FORTE
Sob o calor intenso da tarde de verão Nena entrou na casa de comadre Liu com a novidade:
- A senhora viu, comade Liu, a nuvidade do Rio de Janeiro?
- Eu num seio das nuvidade daqui de pertim, vô lá sabê das nuvidade das terra dos ôto.
- Apôis, os médico de lá num quere mai que as mulé discanse im casa não. Tem qui sê nas maternidade.
- Ôxe, e tem lugá prá esse mundão todim de mulé buchuda parí?
- Diz qui vai tê. Qui as maternidade tem qui arrumá um jeito qui é pru modi num morrê nem as mãe nem os fii.
- Isso é cunvelsa besta. Toda minha vida ajudei as mulé parí e nunca perdi um só, dos nacido vivo.
Os dói qui morrero é pruquê já tarra morrido drento dos bucho das mãe.
Foi uma fia feme do coroné Isidoro e um minino macho de comadre Zabé, mãe de Tota Medrado, uns dôi ô trei ano ante di ele nacê.
I os dôi só morrero pruquê tanto comadre Maria, mulé do coroné, como a comade Zabé era as dua ruim de pari.
Eu acho qui o parto mai trabaioso que eu fíi, foi o de comade Zabé pro modi Tota Medrado nacê. Foi quaje um dia pelejano.
- I foi difici ansim comade?
- Me alembro cuma si tivesse aconteceno agorinha memo.
Foi num ano de inverno bom, munta chuva criadêra, daquela qui moía o chão sem istragá com as roça, sem projudicá ninguém.
Tarra fazeno um frio do mato dos cachorro aí eu dixe a Tasso, meu finado marido, qui eu ia me deitá-me modi o reumatirmo qui tarra me matano.
Num tinha nem chegado no meio da reza quano cumpade Antõi, pai de Tota Medrado, bateu na poita. Aí Tasso veio me chamá-me. Me alevantei e preguntei a ele:
- Qui foi qui houve, homi?
- Comade Liu, pelo manto da vrige, chegue acudi minha muié pru modi qui o minino num qué nacê di jeito ninhum, tá pereceno o finado irmãozim dele.
Fui lá drento, vesti o vistido pro riba da camisola mêmo e peguei a bôça com meus trem de partêra.
A casa dele era a mêma qui hoje tem o bilhá.
Quano peguei na barrigona de comade, vi logo qui o menino tarra atravessado. Mandei fazê um chá bem forte de capim santo pru modi ela acalmá.
Passei azeite doce nas mão e metí lá drento. Inquanto iscurria a água da bôça, eu impurrei as perninha dele prá riba modi o cabra ficá na pose de nacê.
A dô foi tão grande qui comade foi no céu e vortô.
Aí eu mandei ela tomá uma pitada de rapé bem forte, modi ispirrá e aumentá as contração.
A finada mãe dela, comade Jussara, qui deusi lhe dê a gulora, garro o teuço e danou-se a rezá mais Sebastiana, aquela mulé qui mora na casa de Batista mais Celeste.
Ela era uma mininota de doze pá treze ano, mai já lavava e ingomava um liforme como gente grande.
Eu acho qui foi mode o chá qui as contração de comade Zabé foi afracano, afracano aí eu mandei ela assoprá na garrafa vazia e dixe prás mulé assustentá nas reza pá nossinhora do bom parto, modi nói num perdê o cristãozinho qui tarra ruim pá nacê.
Já tarra quaje amanheceno ai o cumpade Antôi se achegô i dixe:
- Cumade Liu a sinhora num tem uma reza mai forte não?
Essas armaria num tão seivino de nada... Daqui um pôco os galo se dana a cantá e esse cabra num qué nacê, to veno a hora perdê a muié...
- Dêxe cumigo cumpade. Tire essas mulé de drento da camarinha qui eu vô dizê uma reza qui minha avó mi insinô-me, é uma reza tão forte qui si esse minino num nacê... ele num tá nem com o diabo de num nacê...
Mai o sinhô tem qui batizá ele cum o nome de Antõi.
Quano fiquei só, botei a mão na barriga de comade e rezei cum toda fé:
“Santo Antõi pequenino
Amansadô de burro brabo
Faça nacê esse minino
Cum os milesseiscento diabo”
Foi eu falá e o minino espirrá fora. Quaje num dá tempo de pegá-lhe ele.
I ele tá aí, inté hoje... dono de bilhá... nunca teve uma duença i é o homi mai devoto de santo Antõi qui eu cunheço.
ADVERTÊNCIA:
Este texto foi escrito de forma a reproduzir o som e a melodia do falar Pernambucano.
GLOSSÁRIO
Afracano = enfraquecendo
Armaria = ave Maria
Ingomava = engomava, usar goma para impedir o enrugamento do tecido
Liforme = uniforme, roupa masculina, o mesmo que terno
Mato dos cachorros = corruptela de “mal dos cachorros”, hidrofobia.
Mulé, muié = mulher