O SUBVERSIVO

 
         Eu estava em cima da cancela olhando o belo sol da tarde e as poucas nuvens que apareciam no céu, tinha apenas nove anos, mas já conhecia muitas histórias do sertão. Debaixo da grande braúna já tinha alguns viajantes que conversavam entre si, não sabia se era sobre o jogo do Brasil que era o comentário nos últimos dias ou se era outra coisa, só sabia que o assunto era quase um segredo por que só ficava entre os homens adultos.
          Meu pai saiu da casa grande acompanhado de dois homens, um era Seu Rodrigo dono de sítio como meu pai, mas o outro era bem alinhado com roupas boas e diferentes das que o povo usa na região.
         A conversa era séria, pararam no meio do terreiro para acabar a prosa, meu cachorro Jupy se aproximou dos três abanando o rabo como se quisesse entrar na prosa, logo percebeu que não se tratava de um preparativo para uma caça noturna e saiu de perto indo se deitar em seu habitual lugar.
           Havia muitos gestos na prosa, pois distinguia que se tratava de algo maior do que acontecia ali no sertão. Por fim o homem bem alinhado passou a cancela e subiu numa rural velha e partiu em direção a cidade.
          Curioso comecei a andar junto com meu pai para tentar descobrir o que era e do que tanto se falava. Não dava para entender bem no início, mas depois entendi que não se tratava de jogo do Brasil, mas de alguém que vinha justamente naquele dia para falar com alguns homens na casa velha perto do engenho. Mesmo sem saber do que se tratava interessei pelo assunto e fiquei disposto a ir naquela reunião marcada.
         O velho Luiz esperto como ele só logo desconfiou de minha intensão e foi desconversando e colocando outro rumo da prosa. Tentando disfarçar fingia que não estava ouvindo a conversa e ficava brincando em volta deles na tentativa de convencê-los a me deixar de lado, isto funcionou e eu acabei descobrindo tudo. Ouvi que a reunião seria depois do jogo, se o Brasil ganhasse todo mundo ia comemorar e os macacos não iam aparecer para prendê-los.
          No começo da noite, mesmo distante dava para se ouvir em todo lugar, fogos, gritarias e correrias por todo lado, uma das coisas planejadas tinha se confirmado, o Brasil era tricampeão. Fiquei a espreita para seguir meu pai quando ele fosse à direção da casa velha perto do engenho. A lua clareava a caatinga deixando o caminho claro para caminhar à noite. Meu pai saiu, bateu a porta ajeitou seu chapéu de massa na cabeça e seguiu pelo caminho rumo à casa velha.
         Mantendo distância comecei a segui-lo, tinha que ficar arisco, a lua estava clara e qualquer vacilo era descoberto. Um bacurau tirou atenção do meu pai pelo caminho, voado e pousando ao longo do percurso. Fiquei mais tranquilo ao segui-lo, pois ele prestava atenção no bacurau e nem olhava para trás.
          Quase chegando á casa velha morri de susto quando senti que tinha alguma coisa bem perto de mim, com medo ameacei chamar por meu pai, mas desisti ao vê que era meu cachorro Jupy que me seguia balançando robô com cara de bobo.
         Escondido por trás dos matos fiquei esperando algum acontecimento, com muito medo naquele escuro, mas tinha planejado ir agora tinha que suportar. Passou-se algum tempo quando um barulho de automóvel começou a tomar conta do lugar. Duas luzes em meio à poeira apareceram na direção da casa velha, com dificuldade a velha rural chegou ao terreiro da casa velha e parou.
          A nuvem de poeira foi caindo e se juntando à terra seca do sertão. A porta do motorista se abriu e o homem que tinha visto antes todo alinhado desceu abanando e batendo a poeira de suas roupas com um chapéu panamá. A outra porta também se abriu e em meio à poeira que ainda se assentava outro homem também desceu, não vi direito, pois a rural ficava em minha frente.
         Os dois logo entraram na casa velha onde já se encontravam vários homens da região. Seu Rodrigo e meu pai parecia comandarem o grupo, pois dava para os vê gesticulando e se posicionando a frente dos demais.
          Seu Rodrigo fez um sinal e o visitante que desceu da rural se pós a frente dos demais. Minha curiosidade não me deixou parado, logo me aproximei para tentar vê melhor o visitante. Jupy logo me acompanhou e chegamos perto da janela de onde dava para vê bem de perto o visitante.
          Agora olhando bem de perto me surpreendi o visitante era bem diferente dos demais, tinha cabelos grandes e lisos caídos nos ombros, barba e bigode, pele branca, olhos azuis e jeito calmo, sua aparência era idêntica ao quadro de Jesus que minha mãe sempre limpava e ajeitava na parede quando ia à missa.
          Todos estavam parados e bem atentos ao que o visitante falava, pelo o olhar deles o assunto era de grande interesse, algo como uma nova promessa de acabar com a seca, a pobreza e a impunidade no sertão tão carente. Seu Rodrigo e meu pai confirmavam balançando a cabaça e fazendo gestos positivos.
           Um bacurau em seu voo errante ou de propósito pousou no terreiro perto da rural. Jupy viu e começou a correr pelo o terreiro e latir, isto chamou atenção de quem estava dentro da casa velha. Tentando sair dali procurei um caminho mais rápido e seguro, mas nada adiantou, quando senti uma mão pegando em meu ombro e me deixando imóvel.
          Com um olhar de choro me deparei com um homem de olhar tenso, frio e firme que sem falar nada me puxou para dentro da casa velha.
     - Este garoto estava ali escondido nos espionando. – Diz o homem com jeito sério e frio.
     - É meu filho! – Disse meu pai para tranquilizar os demais.
     - O que será que ele queria aqui a esta hora da noite? – Diz Seu Rodrigo com um sorriso nos lábios querendo com sua fala deixar um tom de gozação.
     - É mesmo Seu Rodrigo o que será que este menino quer ouvir aqui, pois o danado só vive naquela braúna descobrindo tudo e conhecendo o mundo através daqueles viajantes que lhe conta todas as histórias do sertão. – Diz meu pai arrancando gargalhadas de todos.
     - Este não tem jeito, onde tem adulto ele estar lá escutando e comentando os feitos e fatos de vaqueiros, beatos e viajantes deste imenso sertão de meu Deus. – Diz seu Rodrigo completando minha ficha de abelhudo para os visitantes.
     - Bem meus amigos, agora que já nos apresentamos quero falar de nossos objetivos e nossos sonhos para acabar com o coronelismo, exploração e os abusos que sofrem todos os trabalhadores aqui do sertão. – Diz com voz calma o referido visitante.
         Quando ouvi aquela voz calma, experiente trazendo esperança achei que era Jesus que tinha voltado e vindo salvar o povo do sertão de seu sofrimento eterno. Meu sofrimento e o do povo sertanejo me fez assemelhar o visitante ao filho de Deus, mas na verdade era apenas um estudante de engenharia que participava clandestinamente do Partido Comunista do Brasil e juntos com outros tentavam implantar um novo sistema de governo no país.
          Apesar de pouca gente na reunião dava para ver em seus olhos e sorrisos a renovação da esperança. Muitos emitiam gritos de ordem com se fosse convocado para uma guerra contra o Regime Militar e os coronéis do sertão. Esta empolgação acabou logo, um dos vigilantes da região entrou correndo na casa velha e foi logo alertando:
     - Temos que correr e nos escondermos na caatinga, os macacos descobriram e estão trazendo o Exército para cá. – Disse o vigilante com raiva em seu olhar.
     - Então não vamos perder tempo, vamos nos embrenhar na caatinga em direção da serra, lá eles não vão? – Disse Seu Rodrigo querendo guiar todos para a caatinga.
     - Vamos logo, eles já devem estar por perto! – Disse meu pai preocupado.
     - E o menino, o que vai ser dele? – Diz o vigilante.
     - Ele vai com a gente? – Diz meu pai preocupado.
     - Se ele for com a gente vai nos atrasar? – Diz um dos viajantes.
     - Ao contrário, ninguém conhece esta caatinga como este menino, com ele é mais fácil à gente fugir sem deixar rastro. – Diz Seu Rodrigo apontando o caminho a seguir.
          Partimos para a caatinga em direção da serra, a noite agora parecia mais escura e tensa, talvez pelo medo de ser pego pelos macacos e o Exército que estavam em nosso encalce. Depois de uma hora andando pela mata escutei uns tiros que ecoou por toda caatinga. Pensei será que ficou alguém para trás ou eles estão mantando inocentes para atrair os fugitivos. O estudante de engenharia do Partido Comunista do Brasil percebeu meu jeito envolvido no pensamento e me acalmou:
     - Não se preocupe, eles estão dando tiros para chamar atenção e fazer medo ao povo, eles não vão a esta hora da noite entrar aqui na caatinga e nem chegar perto desta serra, eles ainda tem medo de surgir um novo Lampião aqui no sertão. – Disse o estudante de engenharia.
          Por toda noite ficamos dentro da caatinga esperando amanhecer. O sol surgiu no horizonte trazendo um novo dia, a cantoria dos pássaros da caatinga trazia calmaria, mas a preocupação ainda era grande. Depois desta reunião o estudante de engenharia nunca mais foi visto.
         Depois de muito tempo apareceu a rural trazendo o homem bem alinhado que em uma reunião debaixo da braúna falou para todos que o estudante tinha sido preso pelo Exército, foi torturado, teve suas unhas arrancadas, seus cabelos raspados, suas pernas paralisadas de tanta tortura o deixando em cadeiras de rodas para sempre, além de as pancadas e choques elétricos tê-lo deixado sem falar.
          Após a explicação do homem bem alinhado cada um dos viajantes seguiu um rumo, cada um para um destino diferente como se ali naquele momento todos tivessem perdido o norte de suas vidas.
 
 
 
Léo Pajeú Léo Bargom Leonires
Enviado por Léo Pajeú Léo Bargom Leonires em 12/10/2012
Código do texto: T3929314
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