O verdadeiro brasileiro

Período eleitoral na pequena e pouco habitada cidade de Petrolina, em Pernambuco, era certamente um período de tristeza e desgosto. Não havia, na época, motivação para eleger seu líder, afinal, a "democracia" era restrita àqueles que pertenciam a uma parcela mínima da população.

Jesuíno fazia parte da parcela da população que exercia sua pseudo-cidadania, mas com a dignidade de quem tem sua opinião e acha inválida a imposição da opinião alheia. Jesuíno estaria votando pela primeira vez, pois havia acabado de completar vinte e um anos e fora um dos poucos a serem alfabetizados, pelo fato de ter saído da cidade quando criança, pois seus pais queriam que ele soubesse ler e escrever. Portanto, ele conseguira ser alfabetizado por um padre de uma cidade vizinha, onde ficara por uns tempos - e sua família possuía renda suficiente para ter o direito de votar.

Em Petrolina, havia três famílias de coronéis: os Silveira, os Pedrina e os Barboza. Jesuíno não possuía nenhum tipo de virtude política, mas sabia que deveria escolher aquilo que era melhor e não aquilo que era imposto. Ainda que seus pais fossem amigos do coronel Pedrina, era notável que ele conseguia afundar a cidade e amedrontar o povo a cada ato de seu autoritário governo.

No dia da eleição, Jesuíno foi caminhando, cabisbaixo, em direção ao posto onde era localizada a cabine de votação. Ao chegar, Jesuíno foi recebido por dois homens que anotaram seu nome. Eram irmãos do coronel Pedrina, que estava no poder e dominava a cidade.

Um dos homens acompanhou Jesuíno até uma mesinha de madeira e observou, seriamente, os atos de Jesuíno. O eleitor segurou o papel e foi em direção à urna com ele inteiramente em branco, o que seria mais honesto para ele, na época.

O homem segurou Jesuíno pelo braço, antes de ele chegar à urna e disse:

-Você vai votar no Pedrina.

Jesuíno fitou o homem com seriedade. E, ainda que já estivesse sendo acometido pelo medo, disse:

-Eu voto no que eu quero.

-Não aqui em Petrolina - o homem retrucou.

Jesuíno não desistia de sua opinião, ele naturalmente poderia morrer por ela. O perfil masculino, que era típico da época, encorajava Jesuíno a agir ciente de que, sendo seus atos compatíveis com sua opinião, ele estaria honrando seu personalidade.

Jesuíno foi, mais uma vez, em direção à caixa que servia como urna para depositar seu papel em branco, mas dessa vez o homem o pegou pelo pescoço e, ao levantá-lo, disse:

-Qual parte você ainda não entendeu?

O homem jogou-o fortemente contra a parede, de modo que ele caiu com o impacto. Jesuíno levantou-se e repetiu o que já havia feito, mas o homem já estava irado com seu teimoso companheiro. Jesuíno foi chutado, socado, esmurrado e, finalmente, o homem parou diante dele e disse:

-Quer mais ou já chega?

Jesuíno disse que não iria fazer nada que se opusesse à ideia de que nenhuma das três famílias era apta para estar no comando da cidade. O homem levantou Jesuíno e o levou ao matagal mais próximo. Lá, o homem espancou Jesuíno de todas as maneiras e, ao achar que terminara de dar uma lição em Jesuíno, mandou-o levantar-se para fazer o que lhe era de direito: votar.

Mas Jesuíno houvera parado de respirar. E o corpo de ficou ali, no meio daquele mato, transformando-se em alimento para urubus e Jesuíno nunca mais foi visto.

Aqui termina a história de um homem que lutou até o fim pela sua opinião, ciente de que ela poderia não surtir efeito, mas ela era sua honra e sua dignidade, o que nem mesmo a morte conseguiu apagar. Muitas vezes, homens vendem sua opinião ou transformam-na por haver uma força maior, mas mal sabem que quem não honra sua opinião simplesmente é mais um entre aqueles que acatam a injusta imposição alheia e dão continuidade àquilo que acaba por afundar uma sociedade repleta de seres que se calam diante das atrocidades.

Ronaldo Junior
Enviado por Ronaldo Junior em 19/10/2012
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