O COMPADRE E O DÉCIMO TERCEIRO

Tenho de minha infância gratas lembranças da relação de meu pai com seus empregados, aliás, na maioria das vezes, meeiros. À luz da lamparina, nos reuníamos toda noite para contar causos. Éramos, no meu entender, uma grande família. O único interesse mútuo era que meu pai tinha as terras e os meeiros trabalhavam para comer e pronto. Meu pai talvez tivesse uma pequena ambição de comprar uma casa na cidade, mas não era aquela coisa bitolada que a maioria do povo tem hoje. “Se desse, bem, se não desse, amém”. Palavras dele.

Antes do Natal meu pai montava em seu cavalo para ir à cidade visitar minha avó e comprar alguma coisa para nós. Na maioria das vezes comprava uns quilos de bala que era uma novidade e tanto para todo mundo que ficava lhe esperando. Teve uma vez, que não esqueço, além das balas e calendário do ano seguinte, trouxe uma enxada nova para um de seus meeiros. Essa lembrança me trouxe ao décimo terceiro de hoje. O bom caboclo saiu todo feliz e dando coque na enxada dizia: “Aço bão, brigado Sô Armando”.

Sem querer desvalorizar esse caboclo que, aliás, já disse num livro que toda vez que como alguma coisa lembro-me dele; antigamente no final de ano o cara ganhava uma enxada nova, como se dizia: “Vás capinar”. Hoje, todo final de ano, o mesmo cabra com carteira assinada recebe o dito décimo terceiro; como se diz: “Vás consumir”.

Vivemos uma vida de um falso ganho, onde estressados no limite somos obrigados a consumir coisas fúteis propagados pelo chefe maior, o senhor capital. Até no interior é normal ver dois senhores discutindo qual TV a cabo é mais barata. Ora bolas. Já não enche o saco esses canais de graça? Imagina pagar uma? Talvez esteja fora do prumo. Mas tem um cumpadre querendo comprar uma “bicicreta das grandona”.

- Aligria é essa cumpade?

- Tô de cartera assinada, sabe não?

- Contra quem?

- Sô ritirero do deputado que comprô mias terra, sabia não?

- Qui beleza, mais praquê essa aligria?

- Uai, ricibi o décimo tercero sô!

- Que beleza, hein?

- Vô comprá quela bicicleta grandona, lembra?

- Promessa pro fio, né memo?

- Antão. Ano que vem, ano que vem viu? Ano que vem quero abri conta no banco só pra tê quele cartão, sabe?

- Praquê mexê quisso cumpade?

- Uai, quilo é uma beleza. Dá vontade na gente de comprá um trem e é só infiá quilo na máquina e pronto!

- Que beleza, hein cumpade? Mais e se os cobre num dé pra pagá?

- Uai, a gente vai inrolano inté recebê o oto décimo tercero e anssim vai...

- Se num dé tempo?

- Nóis faiz impréstimo consignado na posentadoria da véia.

- Cê qué memo é comprá as coisa lá da propaganda da televisão, né cumpade?

- E o tanto qué bão!

- ....

JOSÉ EDUARDO ANTUNES

Zeduardo
Enviado por Zeduardo em 10/11/2012
Código do texto: T3978635
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