'' AMNÉSIA ''

Li um conto no recanto e gostei...contava o conto um acontecimento em uma rua qualquer de uma cidade qualquer com um cidadão qualquer, e os apuros que o tal cidadão passou para se livrar de gente curiosa que quase lhe acaba com a vida...até para a cadeia foi o coitado e este conto me fez lembrar de minha amiga Alzira.

Alzira desde menina sempre foi meio '' belelé '' como chamamos por aqui pessoas que vivem de bem com a vida, são felizes, sinceras e francas, falam o que tem que falar, riem, gostam de se divertirem, são boas de alma e coração, tem dó de tudo, de gente, de animais, menos delas próprias porque acham que disto não necessitam pois são auto-suficientes e corajosas...e eu acredito que são mesmo pois dizem tambem que eu sou belelé por inteiro...Alzira ainda diziam que era meia, eu não...sou inteira, dizem...maldosas!!! que são elas, as inchiridas que dizem...eles não, eles dizem outras coisas...ainda bem.

E Alzira, coitada, era assim considerada, belelé e outras coisas mais, ela tinha um pequeno ''probrema'' na fala e alguma coisa na boca e nos lábios, e isto fazia com que ela quando falava babasse e soltasse pequenas goticulas de saliva, e piorava se ela queria falar muito depressa, muito apressada, aí sim o bicho pegava...coitada!!!

E colocaram nela o apelido de Alzira babona.

Na primeira vez que eu ouvi alguem assim a chamar fiquei fula de raiva e quase que me atraquei com aquele moleque danado, passei a ter uma raiva dele que só vendo e durou muitos anos esta implicância que peguei com ele , depois melhorei, ele melhorou, virou um homão lindão que só vendo...namorei ele um tempão, mas sempre lhe dizia que ele tinha sido mau...ele pediu até perdão, perdoei, e quando acabou o namoro choramos...coisas da vida!!!

Mas o apelido pegou e o povo nas costas dela dizia...

Lá vem Alzira babona, e fugiam dela.

Eu não. Eu nunca fugi e nunca disto a chamei.

Sempre fomos amigas e ela quando estava comigo falava calma e sossegada e não babava e nem guspia.

E Alzira sempre tomou alguns remédios fortes.

Casou, um marido lindão, só vendo, a sortuda!!! e teve trez filhos, um menino e duas meninas, lindos todos eles, e ela daquele jeito seguia em frente..babando mesmo tocava a vida...linda!!!

Um dia ela foi para Campinas, ia sempre em médicos, compras, por lá, cidade grande, agitada e Alzira ficava nervosa quando tinha que ir fazer algo naquela cidade, ia de ônibus e um dia aconteceu quase uma tragédia....

Existe em Campinas uma praça que chamam de Largo do Rosário, fica em frente ao Forum e eu havia ido resolver assuntos com meu advogado e quando passei pelo Largo, pela Praça, vi Alzira sentada em um banco, lia alguma coisa, nem me viu e eu apressada segui em frente, estava atrasada e com pressa, fui e resolvi e quando saí vi um ajuntamento, e curioso e xereta que sou, já fui perguntando o que havia e foi me dito que uma mulher estava ali em um banco sentada chorando e dizendo que não sabia quem era...

Alzira!!! pensei, e no meio do povão me enfiei, empurrei e perto dela cheguei...era Alzira mesmo.

Me enjoelhei no chão em frente dela, segurei sua mão e ela se assustou e não me reconheceu, eu lhe dizia meu nome, o dela, do marido, dos filhos e ela me olhava como se eu fosse um nada.

Ouvi sirenes, o povão se afastou um pouco e vi os rapazes da ambulância já com macas na mão e o povão ululando de alegria pelo que por ali acontecia...coitada, pensei, e tentei falar com os enfermeiros...que nada.

Colocaram na maca e enfiaram na ambulância, catei minha bolsa e fui junto e comigo veio tambem uma senhora que nem sei quem era...e ela se apresentando e dizendo que fazia mais de hora que ela estava junto com Alzira, ela passava pela praça e viu aquela mulher chorando e viu uns moleques tentando roubar a bolsa dela, ela não deixou e levou xingo dos danados, e viu um outro por ''detrais'' e levou embora a bolsa, ela ficou sem saber quem era e não saiu dali de jeito nenhum, e pessoal lhe diziam que ela iria se complicar, mas ela não desistia e pedia para chamarem uma ambulância, um guarda, fazerem alguma coisa pela coitada da Alzira...que nada, ninguem fazia nada.

Até que alguem chamou a ambulância e foi neste momento que eu cheguei...e acreditam que eu de tão nervosa que fiquei nem vi senhora nenhuma?...só fui ver dentro da ambulância.

Tudo foi resolvido. Alzira ficou internada uma noite e saiu no dia seguinte. O marido e os filhos foram buscar. Passava bem e voltou a se lembrar quem era, e quando eu fui na casa dela no outro dia me dizia que isto estava acontecendo com frequência, estas amnésias vinham sem mais nem menos, algumas vezes iam embora rápidas e outras demoravam....passou a sair sempre acompanhada.

E eu contei isto para mostrar como hoje em dia a maioria das pessoas não mais se lembram de terem lido e aprendido a lição do Bom Samaritano, fazem festa no Natal e nem convidam o aniversariante então o que esperar destas pessoas que ao passarem por uma rua, olham, veem, um irmão no chão caído, passam e vão embora, e pior, se puderem ainda roubam...graças que existem ainda pessoas como aquela senhora..graças!!!

Quando ela se apresentou fiquei sabendo que o nome dela era....

Maria....que bom!!! só tinha que ser.

Maria!!! a que um dia nos deu seu filho de braços abertos, ela e ele, ambos sempre estão assim, braços abertos para nos receber...ainda bem!!! ainda bem que ela estava na praça naquele dia que Alzira necessitou dela.

Ela, Maria, sumiu, desapareceu depois que viu que Alzira estava em boas mãos, tentamos saber quem era mas nunca conseguimos...Alzira, coitada, como sempre meia belelé das cacholas, acredita que Maria era um anjo...vai ver que era mesmo...quem sabe? quem saberá?...talvez aquele filho de outra Maria saiba...talvez!!!talvez não, com certeza ele sabe, ele sabe de tudo...que bão!!!

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AMELIA BELLA
Enviado por AMELIA BELLA em 18/12/2012
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