GRAVIDES DE RISCO OU ...

Era mais conhecido pelo apelido de Risco.

Parecia que o mundo estava todo revirado de pernas para cima, tudo estava confuso e fora de eixo. Não sabia realmente o que havia acontecido e nem como superar uma situação destas. Caramba. Protestava em voz alta. Não se conformava com a situação. Caramba, como poderia ter acontecido aquilo e daquela forma?

Vivia sossegado no seu pequeno sítio, tirava o seu sustento das esculturas feitas nos mais diversos materiais que a Natureza lhe ofertava. Quando ficava enjoado das esculturas, partia para a culinária. Eram doces e mais doces, geléias, conservas. E por fim então, abria as portas da sua casa nos finais de semana e vendia suas esculturas, suas conservas e servia os pratos que inventava. Um deles era uma carne à bolonhesa tropicalizada. Uma loucura. O bouquet do vinho tinto seco, misturado com o cravo espetado nas cebolinhas, tendo por fundo o sabor do manjericão, deixava os freqüentadores de finais de semana mais apaixonados ainda por tudo que ele sabia fazer. Além é lógico da boa conversa dos causos e contos que se estendiam tarde afora, quando não raro, casais que vinham para jantar nas noites de sexta, sábado e até domingo.

Com suas manias, só atendia a partir de sexta-feira. E possuía um sistema incrível de atender as pessoas. Primeiro cada um recebia uma pequena placa em madeira e nela pirografava o seu nome e depois a deixava pendurada em um porta-placas, quando saía. Quando voltava ali estava a sua placa e por ela era identificado. Era um ritual de passagem, assim digamos, pois desde então fazia parte de um local privilegiado, aconchegante e, sobretudo, cheio de energia positiva. Duas coisas que não admitia nem suportava. Música estrangeira e alta e, sobretudo, bêbado.

O sons eram os que gravava. O som do canto de um canário da terra, de um nhambu, da chuva caindo na calçada, da cachoeira, até tentou gravar o som do silêncio, em vão.

Discreto nem tanto, mas era comunicativo, sempre pronto a atender alguma solicitação extra, como daquele casal que não tomava chá de erva-cidreira porque tinha efeito broxante. Só que o casal tinha em média 78 anos, vinha sempre acompanhados de seus netos e netas. Coisas da vida pensava.

Começara a gostar do negócio de receber pessoas em seu sítio desde um dia quando fora à cidade vender suas obras. O percurso era feito com auxílio de uma charrete de pneus, com tolda e puxada por uma égua libuna. E isto era feito todos os domingos. Aproveitava para ir à missa, religioso que era, e depois vender suas obras e comprar algo que necessitava.

Ah!, Estava falando de como Risco começara a gostar do negócio de receber pessoas.

Pois é, um dia estava ele quase chegando à cidade, quando se deparou com algumas charretes de cor vermelha, com toldo e no banco um charreteiro e uma mulher, quando não duas espremidas. Mas não era uma charrete só que via, eram várias. E para seu espanto todas iam e vinham em direção da zona de meretrício. Mas que diabo estava acontecendo? Resposta rápida. Quando chegou à praça para estacionar a sua charrete, debaixo de um pé de manga, ouviu aquela indagação: O moço faz corrida pra zona? Tivera gana de pegar aquela pessoa. Olhou, olhou e mais uma vez olhou e... que corpo, que cabelo, que pernas, que... bom, isto era coisa dele ficar olhando em pleno sol da dez horas da manhã? Logo antes da missa? Estava ainda meio tomado de espanto, quando ouviu pela segunda vez, faz ou não faz carreto pra zona? Eu quero ir lá pra casa de Rosa Mosquetão. Atentou então e respondeu que não. Entrou igreja adentro e a missa já tinha passado do "ora pro nobis" e os coroinhas respondiam em coro "eco spiritu, tuoo". Ajoelhou-se rezou.

Acabada a missa, começou a expor seus trabalhos e era que um olhava e não comprava e era outro que especulava o preço e também não comprava, e era aquele outro que comprava um, mais um e mais outro, e assim passava a manhã. E foi quando chegou um velho amigo, Tonhão do Ronco, e lhe falou da novidade. O prefeito e o padre haviam concordado com a reabertura de uma zona. Só que as "primas" poderão vir para cidade só se fosse em charretes. Carro de praça nem pensar. Podia deixar doença nos bancos. Coisas de interior.

Não pensou duas vezes. Vendeu ali mesmo a charrete e a égua libuna. E como voltar para casa? Chamou Tonhão do Ronco e o encarregou de guardar as suas coisas, e ainda o culpou de praticamente ter de vender a sua charrete e a égua libuna, se não fosse lhe contar esta história de zona, de Rosa Mosquetão e o diabo a quatro. Já estava andando um bom tempo, com seu embornal nas costas, com o dinheiro no bolso e os seus pensamentos, quando passou um carro, parou e alguém lhe perguntou se queria carona. Querer, até queria. Aproximou-se e a pergunta se fez presente: quer uma carona? E na sua espontaneidade e ingenuidade, respondeu: Oceis num sabe pra donde vou!!!. Mas enfim aceitou a carona.

Um jovem casal estava de visita pela região e resolveram explorar aquelas paragens. Cortesmente o levaram até o sítio. Já eram como 2 horas da tarde. A barriga roncava e a fome se dizia presente. Já almoçaram? Não! Então vamos almoçar. Um virado de feijão, costelinhas de porco fritas na banha, arroz com açafrão, salada de tomatinho redondo, omelete de ovo e queijo, couve fininha refogada na banha e alho, farofa de ovo com cebola, e para arrematar queijo de coalho frito na chapa. Tá bom sua moça? E ocê seu moço, tá gostando? Não havia bocas para responder, só para comer. Sobremesa? Doce de cidra. E para rebater um chazinho de hortelã pimenta. Só que oceis num arrota aqui não. Arrota lá fora. Simplicidade maior não existia.

O casal passou à tarde com ele. Falaram dos seus planos, das suas vidas, um docinho aqui, um pé de moleque de amendoim grandão ali, e lhe perguntaram quanto era a despesa? E ele então se levantou foi até a cozinha e voltou com um lápis e uma caderneta nas mãos, foi escrevendo do seu modo, é lógico, o que haviam comido. E o casal olhando, e ele escrevendo. Só que para escrever tinha que falar em voz alta. E ele escrevendo e o casal olhando. Colocou o lápis no bolso da camisa, respirou fundo e perguntou: quanto oceis vai cobrar da carona? Nada, respondeu o casal. Então-se eu também não vou cobrar nada. Era assim o seu tipo de ver as coisas.

Despediu-se, sem antes dizer: Eu me chamo Risco.

E foi graças a este seu jeito que o casal no outro domingo apareceu com mais dois casais. Só que desta vez cobrou. E assim a coisa foi crescendo. Sítio lindo, frutas à vontade. Construiu um fogão à lenha bem no meio da sala para manter os pratos quentes. Contratou duas cozinheiras. Brincava com as duas, dizendo que se uma noite faltasse luz, era só elas dar uma risada, que seriam encontradas. De tão branco que eram seus dentes e tão escuras que as duas eram. Brincava e adorava estas duas criaturas. Só que uma delas era meio surda e vivia se metendo em confusão. Se houvesse muito barulho na cozinha então era aquela desgraça. Era prato saindo errado a todo o momento. Se o ajudante pedisse mais um prato de feijão, ela respondia, hoje não é dia de macarrão. Ou sai três ovos estrelados! Ela respondia: não tem café requentado. Mas era uma alma maior.

E foi então que o mundo virou de perna para o ar. Conhecera uma mulher já com seus 40 e mais alguma coisa. Bonitona. Cabelos louros, lábios lindos, uma boca de matar de linda. Os olhos então era uma piscina de fundo verde. Viera por indicação de algum cliente que gostara das coisas que ele servia. Aos sábados, servia uma pizza de tomate seco, com rúcula e manjericão, que era uma loucura. Não era muito instruído nas artes de ler e escrever. Mas era astuto por demais. Este negócio de tomate seco aconteceu por descuido. Colhera umas caixas de tomate, e começou a selecionar os mais maduros e foi colocando os menos maduros em umas formas de alumínio. E pediu para a sua auxiliar de cozinha, aquela meio surda, para que colocasse as formas com os tomates menos maduros entorno do fogão (era para amadurecer mais rápido ainda, fazia molho de tomate) e a pobre mulher entendeu: coloca as formas com os tomates no forno do fogão. E pronto. Ordem dada. Ordem cumprida. Isto foi numa quarta-feira à noite. O fogo já estava quase se apagando, mas o forno estava quente. No outro dia, lá pelas 9 horas da manhã o fogão começou a funcionar, ou seja, foi colocada lenha e acendido o fogo. Entrou na cozinha e perguntou dos tomates. Ora tá no forno. Mas como no forno? Mas foi o senhor que mando colocar. Eu falei em torno do fogão. E ela sem perder a compostura, respondeu: Da outra vez o senhor fala mais declarado. E agora já estamos lá pelas 11 horas. Abriu a tampa, com cuidado e lá estavam eles todos murchos, brilhantes e... muito bons para o consumo. Colocou em vários vidros com óleo de soja e os conservou. Passou a usá-los nas pizzas.

Mas então o mundo tinha virado de cabeça para baixo e pernas para o ar, como estava falando.

A tal mulher se encantou com o dono do sítio e restaurante.

Aqui é tudo lindo, seu Risco. Não precisa me chamar de “seu” Risco. Chama de Risco mesmo.

Adorou a sua simplicidade. Uma noite então dormiu no sítio. Ficaram conversando até altas da noite. Conversa interessante, corria o papo sobre gostos, costumes, crenças, amores. Amores. Agora a coisa estava engrenada. Ela separada do marido há mais de 10 anos. Ele convicto solteirão. Celibatário? Ce, Celi, o quê? E a conversa se arrastava e também um arrastou o outro para cama. Mas acontece que aquela empregada meio surda, lembra-se?. Pois se levantou para tomar água e escutou o seguinte colóquio (muito chique), melhor, escutou o seguinte papo:

“Vamos com calma. Na minha idade não posso correr uma gravidez de risco.”

Não deu outra. Acordou a companheira de cozinha e afoita lhe contou. O patrão estava na cama com aquela bonitona e ouviu ela falar de gravidez de Risco. Vamos esclarecer uma coisa. O nome carinhoso de como era chamado o nosso querido amigo era: Risco. Explica-se. Era magro e alto. Como um risco.

No café da manhã as duas fuxiqueiras, todas solícitas, bateram à porta do quarto do patrão. E ele sem saber do ou dos porquês, se viu frente as duas, com bandejas repletas de doces, geléias, pão esquentado na chapa, leite batido, café quentinho e cheiroso, coalhada, frutas. E foi então que a bonitona espantada com aquela invasão, pega no maior flagrante na cama do patrão, tentando restabelecer a sua dignidade, como se fosse preciso, perguntou: Pra que tudo isto? E as duas responderam em coro e numa só voz: Ué, a senhora num tá grávida do Risco?

Era demais para a cabeça dele. Na primeira noite que fazia amor com uma hóspede, não que não o tivesse feito com outras. Mas na primeira noite e já sai o conversê, o boato de que a mulher com a qual passara a noite estava grávida do Risco. E assim a vida continuou, com seus artesanatos, esculturas, doces, pratos. E nove meses depois, gêmeos. Não houve gravidez de risco. Mas eram a cara do Risco... (Não é...meu amigo?)

Agora um pouco mais gordo.

Romão Miranda Vidal.

ROMÃO MIRANDA VIDAL
Enviado por ROMÃO MIRANDA VIDAL em 08/03/2007
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