O FEL DA VINGANÇA

Moradores de interior, Zona Rural, onde as pessoas não costumam levar desaforos para casa. Onde a honra de um homem é coisa extremamente valiosa, pois retrata seu rótulo de machismo, cabra macho.

Zé Severino, um homem considerado por muitos como bravo, violento. Era odiado pela vizinhança por matar os gatos dos vizinhos para comer como tira-gosto ao beber cachaça.

Seu filho, o Zeca também era um valentão, mesmo as sombras do pai, mas era temido por muitos, pois o mesmo já tinha esfaqueado um amigo por motivo banal.

Obério, cunhado do Zé Severino, era um homem pacífico, daqueles que não faz mal pra ninguém. O mesmo era zombado na localidade, pois diziam os fofoqueiros que a esposa dele o corneava, mas ele não dava crédito a estes falatórios.

Na única mercearia (barracão) da localidade, costumava ter um jogo de cartas (baralho) onde atraia muitas pessoas fazendo apostas, às vezes ganhando, outras perdendo. Zé Severino, seu filho Zeca e o Obério, eram assíduos frequentadores dessa roda de jogadores.

Porém, um belo dia, ao retornarem do trabalho (colheita da cana de açúcar), foram os três ao barracão tomarem umas pingas e jogarem umas partidinhas de baralho como de costume. Só que aquele dia não seria um dia normal como os outros, algo aconteceria ali que mudaria a vida dos três jogadores.

Conversa vai, conversa vem, uma dose de pinga de vez em quando e o jogo rolando. Já estavam na quarta rodada e, apenas um dos jogadores estava ganhando, o sr. Obério, que dizia todo eufórico:

- Hoje é meu dia de sorte! Hoje não tem pra ninguém!

- Será mesmo? Respondeu o Zeca.

- Por quê? Você está desconfiando de mim? Você acha que estou trapaceando no jogo? Retrucou o Obério.

- Estou sim, acho que está roubando. Disse o Zeca

- Não fale assim comigo seu moleque! Disse o Obério um tanto já alterado. – E tem mais, eu não tenho medo nem de você nem de seu pai. Pra mim, são dois covardes que só sabem matar os gatos dos vizinhos para comer com cachaça.

O Zé Severino que até então não tinha interferido na discussão, se levantou, pegou o Obério pela beca levantando-o do chão, pois o tal era de pequena estatura e um tanto magro. O Zé Severino grita em voz alta para todos nas proximidades escutarem:

- Seu filho da puta, eu não vou lhe matar agora mesmo, em consideração a minha irmã que é sua esposa!

O Obério, envergonhado pela honra ferida, e consciente que não teria chance contra os dois, ainda mais que andavam sempre armados com facas, levantou-se e foi embora jurando vingança. Porém, os que ali estavam não deram crédito achando que aquilo havia sido apenas uma discussão boba entre parentes bêbados.

Alguns dias depois, o Zé Severino e seu filho Zeca, foram embora daquela localidade para uma cidadezinha a uns 50 quilômetros dali. Mas, de vez em quando, geralmente aos Domingos, voltavam ali montados a cavalo para reverem os poucos amigos e tomarem umas pingas. O Obério, que havia jurado vingar-se dos dois, sempre que ficava sabendo da presença deles na localidade, carregava a espingarda de feche (soca-soca) e dizia para a esposa:

- Vou matar aqueles dois, de hoje não passa.

- Para com isso homem! Deixa de besteira, dizia sua esposa Margarida.

- Não! Hoje eu me vingo da desmoralização que passei, vou matar aqueles dois. dizia Obério.

Pegava a espingarda e saia para a tocaia, onde ficaria esperando os dois. Porém, isso se repetiu por várias vezes, saia e no caminho sempre voltava, desistia da tocaia, da vingança e voltava para casa. Sua esposa já estava se acostumando com aquilo. No entanto, um belo dia, ao saber da presença dos dois na localidade, pegou a espingarda novamente, que desta vez já estava carregada e disse para esposa:

- Hoje eu mato os dois, custe e que custar.

Ela já acostumada com aquilo, disse:

- Vai, agora vê se dessa vez não volta com medo.

O Obério saiu resmungando pelo caminho:

- É hoje, de hoje não passa. Eles vão vê quem é homem de verdade.

Chegando a uma encruzilhada, pois sabia que obrigatoriamente seus desafetos teriam que passar por ali, ficou lá esperando com a espingarda em posição de atirar.

O relógio marcava 17h30minutos e nada dos dois aparecerem, 18:00hs e nada. Pensou ele consigo:

- Será que ficaram sabendo que estou aqui? Estão com medo?

- Covardes! Covardes! Dizia em voz baixa.

Quando de repente, escuta pisadas de cavalos.

- São eles, vou mata-los e lavar minha honra. Dou um tiro acertando um e quando o outro vir para cima de mim, lhe derrubo com uma coronhada de espingarda.

De pé e em posição de atirar, fica apontando a espingarda na direção onde os dois apareceriam em instantes. Pronto! Apareceram os dois montados em seus cavalos, que de longe logo avistaram o Obério com a espingarda em punho.

- Para aí! Olha lá quem está nos esperando, é o Obério. Filho da mãe, acha que vai nos matar com aquela espingardinha, disse o Zé Severino.

- E agora? O que vamos fazer? Disse o Zeca.

- Presta atenção. Aquela espingarda só dar um único tiro e leva uns 10 minutos para ser carregada novamente. Vamos em disparada para cima dele, mesmo se ele acertar um de nós, o que ficar em leso pega ele, combinado? Disse o Zé Severino.

- Claro papai, disse o Zeca.

Partiram em disparada pra cima do Obério, que para azar dele, a espingarda não disparou, falhou, o tiro não saiu. Pensou em correr, mas não deu tempo, foi atropelado pelos cavalos. De imediato, pai e filho pularam do cavalo e com a espingarda esmagaram a cabeça do coitado do Obério e fugiram em disparada.

Sua esposa Margarida, achou estranho à demora de seu esposo em retornar para casa, pois já eram 20:00hs. Decidiu então sair em busca dele. Lua cheia, clareando bem a estrada de terra e refletindo seu brilho nas palhas das canas que abrigavam a estrada, quando de longe o avistou deitado, seu coração bateu forte e começou a tremer, correu depressa para ter certeza do que havia acontecido, quando ao se aproximar, constatou que seu esposo já estava morto.

- Miserável do meu irmão! Como pôde fazer isso? Vou te odiar por todos os dias de minha vida, gritou a Margarida.

Saiu correndo com as pernas trêmulas e o coração acelerado, foi avisar aos moradores da localidade. Como não era de costume acontecer desgraças desse tipo na localidade, ficaram todos aterrorizados com o acontecido, que de imediato correram para constatar o fato.

Assim é o fel da vingança. Amargo pra uns e doce para outros, ou amargo para todos?

Josildo S Neves