O GENIO QUE ESCAPOU DO ABORTO E SUA ARTE (10º CAPITULO)

O mordomo desceu a escadaria do palacete e foi ao encontro dos visitantes com a mão direita espalmada e esquerda no peito, fazendo reverencia num gesto de gentileza ele deu meia volta com o braço estendido indicando o caminho e exclamando:-- Seja bem vindo coronel Certoro! Sejam bem vindas senhoras! O coronel numa atitude de espanto perguntou: --Como coronel Certoro --, acaso me conheces de onde?—Que isso coronel trabalhei tanto para o senhor, sou o Pedro marido de Rosa! – Que diabo deu em tu homem, vestido nesta granfinagem, como vou o reconhecer? –As coisas mudam coronel, e eu acompanho as evoluções da vida, aquele matuto sertanejo do Barro Branco não existe mais. Veja como é o destino, meu filho agora é meu mestre, minha Rosa é sua governanta, e a velha sertaneja, que o coronel a impediu de chefiar uma estação ferroviária virou madame Laura!

Mas passemos a borracha do tempo nesse episódio do passado, vamos entrando, Desculpe-me pela fraqueza, e por lhe atirar as farpas passadas, que ficaram entaladas em minha garganta, esteja à vontade a casa é sua! Aguarde vou anunciar sua chegada! -- O grupo adentrou o recinto onde uma mesa luxuosa com seu tampo de cristal cercada com doze cadeiras no mesmo estilo ocupava o centro da bela sala que mais parecia uma galeria de arte, cujas paredes ostentavam a biografia do pintor com imagens que contavam sua história de vida iniciada naquele longínquo sertão dominado pelos coronéis. Em cada quadro exposto, a começar por sua infância figurava um capitulo da vida daquele gênio. – Estejam à vontade, insinuou o mordomo, num minuto serão atendidos.

Enquanto isso Certoro que nada entendia de arte perguntava às mulheres: Como pode um moleque nascido no mato ter a capacidade e pintar uma coisa tão perfeita desta maneira, este guri veio de Cruzilhas novinho, como conseguiu as imagens para pintar com tanta perfeição. Veja este quadro Manoela, é a sede de nossa fazenda Rancharia, olhe a casa onde residiu Antero e Laura! Se ele nunca esteve La como conseguiu fazer esta maravilha. Meire o respondeu; – O bom pintor coronel não precisa mais do que palavras para se informar e criar sua obra, ele já nasce com o dom, e o dom vem de Deus é uma supremacia natural enviada pelo criador ao ventre da mãe antes do nascimento do filho. Basta você descrever em palavras uma paisagem ou até mesmo uma figura humana que o artista a pinta com perfeição. Este Luizinho é realmente um gênio!

Enquanto eles admiravam todas aquelas maravilhas, Laura e Rosa entraram sem serem percebidas, e atrás dos visitantes elas os acompanharam até a inspeção do ultimo quadro expondo a inauguração da ferrovia de Cruzilhas uma obra tão perfeita mostrando os primatas selvagens que curiosamente acompanharam a chegada do primeiro trem passageiro e fugiram logo após, assustados com o seu apito estridente. Aquele arrancou as lagrimas do coronel tamanho foi sua emoção.

Manoela virou para trás Laura a esperava para aquele abraço que ela tanto desejou naqueles vinte que haviam decorrido. – Você não mudou nada comadre parece mais jovem?—Você que continua a mesma, o que aconteceu não me diga que Luizinho pintou você também? – De certa forma sim comadre, ele realizou o sonho de criança alimentado pelo desejo de estudar e ser doutor, para me dar conforto, coisa que eu jamais imaginei. E esta senhora não é a sogra do Richard?-- Desculpe-me, senhora, como vai tudo bem? Empolguei com minha comadre e nem lhe saudei! E estendendo a mão ao Certoro ela pergunta: e o senhor coronel como está, o que achou das obras do molequinho La do Barro Branco? – Primeiro vou ter que acordar, porque me parece que estou sonhando com tudo que vejo! Desde que entramos nesta propriedade, e o cocheiro começou a detalhar a maravilhosa obra construída por aquele molequinho eu estou fora de mim, não consigo acreditar que tudo neste paraíso seja construído por aquele pirralho. Tenho que ver para crer, quer que pinte na minha frente só assim acredito!—Olha coronel eu não sei como, mas o que este menino cria é inexplicável tem mesmo que ver pra crer, basta descrever a ele um cenário ele traça uma obra em fração de tempo, com a maior perfeição.

--E a senhora dona Meire está gostando da troca de residência com seu genro?—Eu sempre quis voltar para o Brasil e após a morte do meu marido decidimos. Richard cuidar de nossos negócios, daí surgiu à necessidade em trocamos as residências. – Como foi que a senhora conheceu Manoela?-- Manoela respondeu por ela —Você não se lembra comadre de eu te dizer da minha irmã? Encontramo-nos por acaso no hospital, me separei dela há muitos anos quando ela se casou e mudando para o exterior, eu era uma criança de cinco anos! –Não me diga eu a conheço desde que trabalhei para seu genro. Jamais poderia imaginar essa hipótese trabalhar na casa da irmã de minha melhor amiga e não saber, embora não tivemos muito contato por que eles poucas vezes estiveram visitando sua filha. Veja como é o destino. Ele tem seus métodos irônicos e às vezes incompreensíveis à nossa visão.

Rosa após cumprimentar os visitantes, pediu licença e foi à cozinha ordenar os preparativos para o almoço, deu ordens a uma criada servir um lanche na sala de estar, outra galeria com as paredes cobertas com as mais lindas obras. –Meire fez um comentário a respeito de uma tela na qual estava o Luizinho montando um cavalo. Esta deixou o coronel emocionado, pela semelhança com seu filho Ricardo, Manoela também não conteve as lagrima, Laura a acalmou com um pouco de água. Emocionado o coronel apontando o indicador para a tela perguntou, mas este não é o meu filho Ricardo? – Que isso Certoro está pirando de novo homem? ---É Luizinho não se lembra da semelhança entre ambos?—Pela primeira vez Manoela teve pena do marido, a quem ela nunca perdera a oportunidade de alfinetá-lo pela morte do filho, culpando como causa o seu preconceito radicalista.

Terminado o lanche ansioso esfregando as mãos, Certoro que até o momento se conteve aguardando por seu maior desejo, encontrar seu neto, perguntou:- - e Luizinho que ainda não veio nos cumprimentar?—Sinto muito coronel, mas não será desta vez que o senhor vai realizar o desejo de ver como ele pinta bem! –Ele não se encontra, está participando de uma exposição na França viajaram acompanhado pelo Richard, os dois são como carne e unha. E todo o seu sucesso sua fama e tudo mais que Deus nos concedeu foi através do Richard que nos tirou daquele sertão e nos deu guarida! Eu particularmente o considero com um anjo enviado por Deus em nossas vidas.

Certoro ficou profundamente triste com a revelação de Laura. – E tem previsão para seu retorno? – Não tenho a mínima idéia, mas fique tranqüilo ele tem planos de lhe visitar, e agora com a sua visita com certeza quando souber vai se apressar em retribuí-la!--- E você o acompanhará? –Até Cruzilhas sim, em Rancharia não, ela me trará recordações inevitáveis. ---Isto significa que ainda guarda magoa e nunca me perdoará?—Não, muito pelo contrario, Deus guia seus filhos por caminhos obscuros escrevendo certo por linhas tortas, Luizinho me fez compreender que sua maldade foi à melhor coisa que aconteceu em minha vida, ao impor o aborto de minha filha, como condição para que pudéssemos permanecer em sua fazenda, você foi de uma crueldade sem limites, mas Deus nos acolheu, embora tenha levando as duas pessoas mais queridas de minha vida naquela época, me retribuindo mais tarde com esta vida que hoje você está testemunhando. —Se nós atendêssemos sua exigência minha filha talvez não sobrevivesse ao aborto. Morreria eu e Antero de tristeza. Se ela sobrevivesse, mesmo casando com o seu filho e tendo outro filho, ele não passaria de um simples carreiro como foi o avô e o bisavô! E eu não teria esta vida abastada que hoje meu neto me oferece. – Quer dizer então que você concorda que Luizinho me visite? – É lógico que sim desde criança ele sabe que o dia que bem entender poderá te procurar, só não me peça para voltar em Rancharia, porque isso eu jamais farei! --Agora vamos para o almoço a criada já avisou que vai servi-lo.

Na luxuosa sala de jantar, apenas um quadro da santa ceia ilustrava a parede ao lado da mesa, Laura sugeriu uma oração, Meire então disse: -- interessante em todas as salas as paredes estão cobertas de obras de arte, aqui só vejo uma! --Luizinho é muito perfeccionista, no horário das refeições ele fás questão de concentrar apenas nela, reza a oração que Jesus nos ensinou e em silencio ele fás sua refeição ao término ele agradece a Deus pelo alimento e se retira respeitosamente para a sala de estar só ai ele quebra o silencio. Este é um ritual que eu acabei me habituando a ele, no almoço ou jantar, se for necessário solicitar qualquer coisa à criada o fazemos em tom de voz baixa com todo respeito!

--O coronel se manifestou; --Comadre como tu ficou granfina mulher, quem diria uma sertaneja esnobando chiqueza! – Que isso Certoro tu não toma jeito, aqui não o sertão seu grosso! Retrucou Manoela. Terminou o almoço seguindo o ritual recomendado, eles se retiraram. O coronel meio que emburrado, não sabia se pela represália de Manoela, ou pelo fato de não encontrar Luizinho. Manoela estava a fim de se afastar um pouco do coronel para colocar a irmã a par de toda aquela história envolvendo seu neto. Ao pé de ouvido incumbiu Laura a esta missão.

— Então Coronel pensando bem, que tal Pedro lhe mostrar esta propriedade, os animais os bebedouros. E tudo mais que por ai existe! -- Pedro logo entendeu a missão selou dois cavalos, e partiram. Embora idoso Certoro era muito no hábil dorso de um tordilho. Foram admirar outras maravilhas adquiridas pelo neto, através de sua arte. Enquanto isto Meire emocionou, lamentou, e por fim até se deleitou na oitiva submetida à Laura e Manoela, depoentes daquela historia, que a ela mais pareceu um filme de longa metragem.

De volta as dependências da fazenda o coronel expandia de alegria com o que viu. Pedro cuidou em soltar os animais de sela, e auxiliou o cocheiro a preparar a carruagem para o retorno dos visitantes. – Laura sugeriu a permanência do casal até o retorno de Luizinho, Manoela desculpou-se, explicando que o dever lhe chamava em Rancharia de onde há dois meses eles saíram com a intenção de um breve regresso, quando a enfermidade os deteve na capital, e pior com o coronel hospitalizado.

Como boa anfitriã, Laura os acompanhou até a carruagem, abraçou as duas amigas que haviam se despedido de Rosa e Pedro, ajudando-as subir na carruagem. O coronel estende a mão para Manoela reafirmando seu desejo em recebê-la juntamente ao neto em sua fazenda Rancharia, mais uma negativa afirmando que voltaria apenas em Cruzilhas para rever amigos. O sol, já vertido para o poente raspava o horizonte beijando os arvoredos que verdejavam os montes. Próximo a realizar o seu ocaso, sinalizando que a noite chegaria antes que o grupo terminasse a viagem.

Mas a lua cheia, com a sua ternura encantadora assegurava uma viagem tranqüila e bem sucedida. O cocheiro deu ordem de partida aos animais, Laura recolheu subindo a escadaria, e debruçada no parapeito da varanda, acompanhou com o olhar até a diligência desaparecer entre os coqueirais que encobriam a estrada ao longe. O sol mergulhou no horizonte e brisa suave roçava de leve no rosto dos viajantes, a noite caiu vagarosa e tranqüila enfeitada pela lua que corria ligeira disputando espaço com as brancas nuvens, que levitavam como plumas rolando no azul infinito composto por milhões de estrelas. Um cenário digno do poeta maior e criador do universo.

O coronel se sentiu liberto das amarras de seus bens materiais que o fizeram prisioneiro naquele sertão soturno, e aliviado parecia transfigurado espiritualmente. Manoela percebendo seu estado de espírito, pergunta:- - Certoro tu já viu uma paisagem mais bela do que esta?—Estou a imaginar como somos pequenos diante desta obra de Deus, vale à pena refletir a respeito, Isto é uma das mais belas lições de vida para homens como eu que passou a vida acumulando riqueza, colocando o dinheiro acima de tudo, sempre querendo mais e mais. Agora aqui estou eu a pensar! Com uma fortuna nas mãos, atingindo meu ultimo estágio da vida, e me perguntando-, valeu à pena? O que vou levar desta vida? Fui cruel com meu melhor amigo, perdi meu único filho, causei o sofrimento de tanta gente, não tenho se quer um descendente para dar seqüência na minha prole e receber meu patrimônio como herança. O que farei? -- Ainda há tempo cunhado, pelo que Manoela me relatou seu capataz cuida muito bem de seus bens. —Esqueça seu patrimônio acate o conselho do medico e tire uma boa temporada de descanso, Manoela também merece uma boa temporada de descanso não achas? Acaso não se sinta bem em minha casa volte para a fazenda de Luizinho vá esperá-lo, conheça bem aquele garoto, aprenda com ele como é viver sem desapego material. – Prejudiquei tanto a comadre Laura, ela tem razão em não me perdoar, como que vou ter a cara de pau de me hospedar em sua casa. Ainda com um luxo que não estou acostumado, vou-me sentir envergonhado! –Pense nisso consulte seu travesseiro e amanhã você decide.

–Bem em fim chegamos, e vejo que gostou da viagem, esteja à vontade a casa é de vocês, decidindo ficar será um grande prazer, assim terei mais tempo junta a minha irmã. Nada melhor que uma boa noite de sono, para colocar as idéias em ordem!

O coronel amanheceu bem disposto e decidido, viajaria imediatamente de volta ao sertão, mas acatando o conselho da cunhada Meire, ele estava disposto a uma temporada de descanso. A viagem da noite anterior mexeu de fato com o homem aquela reflexão que tivera ao contemplar a natureza e a bela paisagem criada por Deus o fizera tomar uma atitude que nenhuma controvérsia ocorrida em sua vida conseguiu fazer, desapegar dos bens materiais. Deixou a esposa à vontade, deu lhe opção de escolha caso ela optasse por ficar com a irmã ele viajaria sozinho, mas ela preferiu acompanhá-lo, esta atitude a colocou em duvida a respeito de sua sanidade uma vez que tal liberdade nunca ocorreu antes, ele sempre ditando ordens e traçando seus passos e ela obedecendo cegamente. Como agora lhe daria esta liberdade não seria um delírio?

Meire fez questão de acompanhar a irmã até a estação, mandou preparar sua carruagem e os conduziu para o embarque. Ao desembarcar em Cruzilhas coronel Certoro era um novo homem bem disposto, falante e comunicativo. Seu capataz da fazenda Barro Branco, estranhando tanta gentileza de sua parte confidenciou com a esposa; --Dona Manoela o coronel está bem?—Porque a pergunta Clovis? – Nunca o vi tão gentil, quando viajou parecia debilitado, correu um boato na cidade que ele estava meio louco. –Meio? Louco inteirado, mas por dinheiro pura ganância machismo e preconceito, ao que parece nossa viajem, o tratamento e a convivência com pessoas civilizadas fizeram acontecer um milagre. Ele realmente mudou da água para o vinho. --Quem sabe Jesus o abençoou como fez no nupcial de Canaã? ---Deus te ouça Clovis, Deus te ouça, e que os anjos digam amém!

(Continua na próxima semana)

Geraldinho do Engenho
Enviado por Geraldinho do Engenho em 05/02/2013
Reeditado em 05/02/2013
Código do texto: T4124421
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