O ÚLTIMO DESEJO EM VIDA
 
 
Os seres humanos, na sua totalidade sempre se preocupam em acumular riquezas, não importa em qual seguimento, basta ser riqueza. Uns até têm suas preferências por terra, outros por dinheiro em espécie, outros por mansões e assim por diante.
Mas pra quê tanta riqueza? O que fazer com tanto dinheiro? Como administrar esse dinheiro depois de morto? Não existe tal possibilidade. A realidade é que os que ficam com a fortuna acumulada poderão prosperar ou acabar com tudo, mesmo porque, o fato de ser filho, mulher, marido, não quer dizer que tenha o mesmo pensamento com relação à fortuna acumulada.
Uns dizem que a melhor herança que se deve deixar é a educação dos filhos, referindo-se ao patrocínio do estudo de umas das ciências, capacitando aquele que será seu seguimento para uma vida menos tribulada.
Mas também existem aqueles que nem querem saber de nada, se os filhos quiserem estudar bem, se não quer, bem também, o fato é que de uma forma ou de outra ele herdará a riqueza de quem se foi.
Certa vez, me deparei com uma cena que marcou muito minha vida, no tocante a riqueza acumulada. Certo senhor acometido de uma doença terminal, estava hospitalizado, quando foi informado que deveria ser submetido a uma cirurgia no estomago, ou outra parte do seu abdome, não recordo ao certo. Porém, depois de alguns dias tentando reverter o quadro, os médicos não viam outro jeito a não ser a cirurgia.
Tudo isso acontecia e eu não sabia de nada, porque mesmo ele sendo muito amigo, eu havia me afastado de sua família em virtude dos meus afazeres. Antes, todos os domingos eu costumava ir para sua casa, era uma rotina, uma bela amizade, ele sempre me ligava e perguntava se estava tudo bem, e que logo estaria enviando o motorista para buscar a mim e todos os filhos e esposa. Certas vezes eu até ficava envergonhado, porque quando chegava a sua casa ele fazia questão de me apresentar a todos como seu amigo fiel e que meus filhos ele os considerava como seus netos. Velhos tempos. Muito feliz fui naquela época.
Pois bem, recebi um telefonema dando conta da sua situação hospitalar, e segundo o mensageiro, ele estava pedindo que eu fosse até sua presença. Fiquei chocado com a notícia, no caminho ia me punindo, como eu havia deixado de visitar meu velho amigo, eu e meus defeitos, agora já bem sucedido não estava dando o devido valor à amizade. Assim fui até chegar ao hospital.
Chegando, entrei e fui ao setor de informações e logo estava no seu apartamento, lá alguns filhos, ele não estava, havia ido fazer um exame. Intrigado com o convite repentino sobre o estado de saúde do meu velho amigo, comecei a perguntar o que estava acontecendo, um dos filhos me respondeu que ele estava dizendo que iria morrer que não escaparia de uma cirurgia que iria fazer, e que, portanto, queria falar comigo. Aí eu comecei a passar mal, o que ele queria falar comigo? Meus pensamentos voavam ao passado, como se eu buscasse alguma explicação para ser solicitado.
Sentado num grande sofá no canto do apartamento, atônito com aquela afirmativa do filho, não conseguia definir o que ele de fato queria comigo. Mas minhas perguntas logo teriam uma resposta, a auxiliar de enfermagem entrou no apartamento e disse que ele já havia terminado o exame e eu logo retornaria.
Sentando, com mãos suando, certa aflição, à espera era infinita, o que me reservava o futuro dali instantes, já que em minutos o meu velho amigo entraria por aquela porta. De repente abrem a porta e numa espécie de maca, uma cama com rodas entra o meu amigo, com soro pendurado, e amparado pela esposa e duas auxiliares de enfermagem. Corri em seu encontro e não me contive, comecei a chorar ao vê-lo naquela situação. Quem viu aquele homem com saúde que nem eu, alegre, feliz com sua família, agora deitado naquela cama, com sua feição desfigurada em decorrência da doença que lhe acometera, muito triste aquela cena.
Peguei em sua mão e ele levemente conseguiu aperta a minha, abriu um leve sorriso e balbuciando disse que estava feliz por eu ali ter chegado, que eu não chorasse que o momento era de alegria, porque ele estava alegre em me ver.
Em minutos ele foi transferido para uma cama grande e confortável, agora refeito do “passeio” entre o apartamento e uma sala de tomografia, pediu que eu me aproximasse que ele precisava falar algo muito sério, mas que antes, ele já havia chamado os principais filhos, os que tocavam os negócios da família.
Puxei uma cadeira e fiquei ao seu lado, do outro lado a esposa e a única filha do casal. Comecei a falar de coisas boas e dizer que logo, logo, ele deveria estar em casa e tudo aquilo faria parte do passado. Ele sorriu e disse: “uma das coisas que mais admiro em você é sua forma positiva de ver a vida, isso me faz lembrar muito de você. Pra você não tem causa perdida, uma vela acesa é um farol no fim do túnel, poxa como eu queria que meus filhos fossem assim”. Continuei a tentar animá-lo, dizendo que eles eram jovens, mas que com o passar dos anos eles também seriam assim.
Chegando os filhos que faltava a reunião, então meu amigo falou, primeiro pediu que não o interrompesse, que ele queria falar algo muito delicado e que, portanto, queria atenção dos presentes, e começou: “hoje ainda, vou pra sala de cirurgia e sei que não voltarei de lá com vida. Todos começaram a chorar. Continuando disse ele: não quero saber de tristeza, essa é a minha hora, aqui já fiz tudo que devia fazer, mas muita coisa que devia ter feito não fiz, e uma delas, foi ser severo na cobrança da educação de vocês, devia ter cobrado mais resultado das escolas, mas agora já é tarde. Talvez, vocês possam melhorar, basta querer, nunca é tarde. Outra coisa mais importante que deveria ter feito era a divisão do que consegui, dividir e dar a cada um conforme seu merecimento, mas nós nunca pensamos que somos mortais e sempre deixamos pro dia seguinte, terminando por não fazer. Conheço vocês e, sei que como meus filhos brigarão por dinheiro, pelas coisas que juntei, mas queria fazer esse último pedido a vocês, que não brigassem, porque na vida tudo se consegue, eu sou a prova disso, mal sei fazer o meu nome e consegui tudo isso que vocês têm. Por isso trouxe meu amigo aqui, estou passando pra ele a autorização de conter vocês, nas sua brigas, nas suas ganâncias por dinheiro, espero que vocês atendam esse meu último pedido em vida.” Foi difícil ouvir tudo aquilo, mas eu insistia em dizer que a cirurgia seria tranqüila e ele logo estaria de volta na sua casa. Mas ele foi enfático, e dessa vez místico respondendo: “porque você não os vê, mas eles estão aqui, me esperando, não tem jeito, já me disseram o que vai acontecer.”
Por volta das 21h meu amigo foi para a sala de cirurgia, saindo de lá por volta de 4h da madrugada e, como havia previsto, morto.
Os dias que se sucederam foram de muita dor e incertezas, como ele havia previsto a briga começou ainda no velório, não havia como controlar. Passados alguns dias desisti de tentar resolver o seu pedido, muito constrangido com toda situação, era repugnante ver um filho intentar uma ação judicial contra a própria mãe, pelo simples fato de querer dinheiro, o qual ele não havia colaborado em nada para conquistar.
Sem a mínima condição de ajudar na solução dos problemas da família, me afastei e apenas de longe acompanhei a situação, depois de algum tempo amenizaram na briga, mas uns sempre costumam dizer que foram lesados pelos outros, a verdade, nós nunca saberemos, porque por dinheiro o ser humano é capaz de tudo, inclusive não dar a mínima atenção para o último desejo do pai em vida.